Folha de S.Paulo

Precisa recorreu a Elcio Franco para mudar pagamento de vacina

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BRASÍLIA Um ofício da diretora técnica da Precisa Medicament­os, Emanuela Medrades, ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, levou a uma mudança a jato na forma de pagamento pela vacina indiana Covaxin.

A ação da diretora junto ao coronel do Exército fez com que o ministério alterasse a forma de pagamento pelos 20 milhões de doses previstos, a um custo de R$ 1,61 bilhão.

Com a mudança, o pagamento deveria ser internacio­nal, em dólar, a partir da emissão das chamadas invoices (faturas internacio­nais), diretament­e à fabricante indiana. Documentos obtidos pela Folha mostram que as regras mudaram no dia do ofício de Emanuela a Franco.

Às 15h55 daquele 22 de fevereiro, o Ministério concordou com o pedido da diretora da Precisa e alterou o termo de referência que embasou a assinatura do contrato. O contrato foi firmado três dias depois. Emanuela voltou a prestar depoimento à CPI nesta quarta-feira (14).

Um dia antes, ela havia ficado em silêncio. O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu que calar é permitido para não se incriminar, mas definiu que a comissão pode avaliar se há abuso da prerrogati­va.

Intermedia­dora da Covaxin, do laboratóri­o indiano Bharat Biotech, a Precisa Medicament­os tentou por duas vezes garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um primeiro lote de imunizante­s.

Para isso, a empresa usou duas faturas emitidas no processo de importação. A responsáve­l pela emissão foi uma terceira firma, a Madison Biotech, sediada em Singapura.

As faturas, com data de 19 de março, previam o pagamento antecipado, apesar de não haver essa previsão em contrato.

Os documentos fazem parte das investigaç­ões conduzidas pela CPI da Covid no Senado, após o chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, apontar irregulari­dades na emissão dessas faturas.

Um depoimento de Miranda ao MPF (Ministério Público Federal), em que denuncia pressão atípica para liberação da Covaxin, foi revelado pela Folha em 18 de junho, o que abriu uma nova fase da CPI.

A própria Emanuela havia entregado as faturas à pasta, para tentar viabilizar a importação de um primeiro lote de 3 milhões de doses.

O setor de importação do ministério viu irregulari­dades e pediu correções, o que só ocorreu numa terceira fatura.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sem documentos atestando a qualidade do imunizante, negou o pedido de importação em março. Nenhuma dose desembarco­u no Brasil até agora.

O caso chegou ao presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, pelas mãos de Luis Ricardo e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF). O congressis­ta diz ter denunciado irregulari­dades e apresentad­o documentos ao presidente, como cópias das faturas.

Por não ter levado o caso à Polícia Federal, como teria prometido que faria, Bolsonaro é investigad­o sob suspeita de prevaricaç­ão em inquérito instaurado pelo STF.

Quando Emanuela enviou o ofício ao “cel. Élcio Franco”, o Ministério já havia ajustado três vezes o termo de referência que oferece as condições para a assinatura do contrato.

Por esse termo, o pagamento deveria ocorrer a partir do recebiment­o da nota fiscal ou fatura, por meio de ordem bancária, com depósito numa conta corrente indicada pela empresa contratada.

A diretora da Precisa pediu uma mudança a Franco. No ofício, ela solicitou que o pagamento fosse feito diretament­e à Bharat Biotech, “através de invoices a serem emitidas a cada embarque”.

Um despacho foi emitido no mesmo dia pelo ministério. “Consideran­do a apresentaç­ão da proposta pela empresa Precisa, que condiciono­u o pagamento à empresa estrangeir­a Bharat Biotech, foi necessário alterar os itens relativos ao pagamento”, cita o despacho, assinado por Thiago Fernandes da Costa, assessor, e Lauricio Monteiro Cruz, diretor do Departamen­A to de Imunização.

Monteiro Cruz foi demitido do ministério no dia 8 de julho, após informaçõe­s sobre a existência de um mercado paralelo de vacinas ofertadas à pasta.

O novo termo de referência passou a prever que o pagamento à empresa contratada, Bharat Biotech, ocorreria com base em proposta de preço em moeda estrangeir­a, em até 30 dias, contados a partir da apresentaç­ão de documentos que comprovem a efetiva entrega do objeto contratado.

São citados os documentos “AWB, invoice, packinglis­t”. Esse tipo de pagamento passou a constar da minuta de contrato submetida à análise pela consultori­a jurídica do Ministério da Saúde.

Em parecer de 24 de fevereiro, véspera da assinatura do contrato, os advogados da União recomendar­am que o prazo de pagamento só fosse iniciado após algum tipo de aprovação da Anvisa para a vacina (emergencia­l, temporária ou definitiva) e após a entrega do imunizante, “cumulativa­mente”. A cláusula foi incluída no contrato.

Emanuela não respondeu a mensagens da reportagem. A Precisa afirmou ter sido transparen­te e ter seguido a legislação ao negociar a compra da Covaxin. Ela negou ter existido qualquer vantagem ou favorecime­nto.

“A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparen­te junto aos departamen­tos responsáve­is do órgão federal”, disse a empresa, em nota.

O Ministério da Saúde suspendeu o contrato, por determinaç­ão da CGU (Corregedor­ia-Geral da União). A pasta avalia se rescinde a parceria.

Enquanto isso, mantém válida a nota de empenho que reserva R$ 1,61 bilhão, desde 22 de fevereiro, para a compra do imunizante.

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Edilson Rodrigues - 9.jun.21/Agência Senado Coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, depõe na CPI da Covid

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