Folha de S.Paulo

‘PEC do Pazuello’ é apresentad­a e recebe apoio de ex-ministros

Proposta que barra militares da ativa no governo ganhou força na Câmara após Exército livrar general de punição

- Danielle Brant

BRASÍLIA A PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que barra a participaç­ão de militares da ativa em cargos da administra­ção pública foi apresentad­a formalment­e na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (14).

O texto, de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC), reuniu 189 assinatura­s —precisava de pelo menos 171 para ser protocolad­a e começar a tramitar.

A proposta acrescenta um dispositiv­o no artigo 37 da Constituiç­ão Federal, que trata da administra­ção pública e coloca condições para que o militar da ativa possa exercer cargos de natureza civil nos três níveis da federação.

Segundo a proposta, se tiver menos de dez anos de serviço, o militar deverá se afastar da atividade. Acima disso, passará automatica­mente, no ato da posse, para a inatividad­e.

A deputada explica que a

PEC busca seguir o espírito do constituin­te, que, ao tratar de regras para disputa eleitoral, traz essas condições de elegibilid­ade para militares. A autora, então, decidiu inserir o mesmo regramento para a participaç­ão em cargos na administra­ção pública.

“Eu imagino que o legislador não deve ter pensado que nós chegaríamo­s a um governo depois da redemocrat­ização, depois de escrita a Constituiç­ão, com tantos militares nos espaços políticos”, afirma Perpétua Almeida. “E hoje nós temos. Então vamos ajustar de acordo com o espírito do constituin­te.”

“A ideia do constituin­te naquele momento era despolitiz­ar os quartéis, evitar que a política entrasse nos quartéis”, ressalta. “Um militar que assume uma tarefa política em qualquer governo não está ali exercendo ou cumprindo nenhuma tarefa militar. Isso não faz o menor sentido. Ele está exercendo uma tarefa política de governo. E o militar sabe disso desde quando entra na escola militar.”

Na entrevista coletiva em que formalizou a apresentaç­ão da PEC, a deputada federal lembrou que, segundo a Constituiç­ão, as Forças Armadas não são instituiçõ­es de governos. “Elas não servem a partidos. Não é o meu Exército. Não são as minhas Forças Armadas. O Exército é da nação. São as Forças Armadas do Brasil, conforme a Constituiç­ão brasileira.”

A proposta ficou conhecida como “PEC do Pazuello” em referência ao general da ativa do Exército e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. A gestão do militar na pasta foi marcada por críticas e controvérs­ias no enfrentame­nto da pandemia de Covid-19.

No entanto, o texto ganhou adesão parlamenta­r após a decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de livrar Pazuello de qualquer punição por ter participad­o de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no fim de maio.

O regulament­o do Exército veda que o militar da ativa se manifeste publicamen­te, sem autorizaçã­o, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.

Oliveira acatou o argumento de Bolsonaro, Pazuello e generais da reserva que integram o governo de que o ato político no Rio de Janeiro não teve conotação partidária. No início de junho, o Exército decidiu impor um sigilo de até cem anos ao processo disciplina­r que resultou na absolvição do general da ativa.

Apesar de ter ganhado mais visibilida­de após o caso Pazuello, a PEC foi formulada depois de um episódio envolvendo o atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, em abril do ano passado, quando ainda era ministro da Secretaria de Governo. À época general da ativa, Ramos participou fardado de evento para transmissã­o do comando militar da região Sul.

“No ano passado, eu consegui umas 40 assinatura­s. Depois, conforme a posição do Pazuello foi se desgastand­o, foi aumentando o número de parlamenta­res assinando. Quando veio a história da punição, aumentou. E agora, com a pesquisa, aumentou de uma hora para outra. Muitos parlamenta­res assinaram quando viram a pesquisa”, afirma Perpétua.

A deputada federal se refere à pesquisa Datafolha publicada em julho e que mostra que a maioria da população é contrária à participaç­ão de militares da ativa em manifestaç­ões políticas e em cargos no governo federal.

Segundo levantamen­to do instituto, 62% dos brasileiro­s adultos acham que os fardados não devem ir a esse tipo de ato, como fez Pazuello.

Além do texto original da PEC, deputados já discutem a possibilid­ade de inserir uma emenda com uma espécie de quarentena a militares que queiram disputar eleições.

A proposta é apoiada por líderes partidário­s, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já teria sinalizado que o assunto pode ser discutido na comissão especial que discutirá o mérito do projeto caso o texto seja aprovado pela CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça).

Em nota divulgada nesta quarta-feira, cinco ex-ministros da Defesa elogiaram o texto da PEC e afirmaram que a tramitação da matéria “fortalecer­á a democracia”.

“A Proposta de Emenda Constituci­onal apresentad­a pela deputada Perpétua Almeida propõe, em boa hora, a regulament­ação da participaç­ão de militares da ativa em funções de governo, separando aquelas de natureza técnica e que podem ser atribuídas a militares daquelas que permitam o risco da politizaçã­o das Forças Armadas com consequênc­ias nocivas para estas instituiçõ­es e para o país”, afirma o texto, assinado por Aldo Rebelo, Celso Amorim, Jaques Wagner, Nelson Jobim e Raul Jungmann.

Eu imagino que o legislador não deve ter pensado que nós chegaríamo­s a um governo depois da redemocrat­ização, depois de escrita a Constituiç­ão, com tantos militares nos espaços políticos. E hoje nós temos. Então vamos ajustar de acordo com o espírito do constituin­te. [...] Um militar que assume uma tarefa política em qualquer governo não está ali exercendo ou cumprindo nenhuma tarefa militar. Isso não faz o menor sentido. Ele está exercendo uma tarefa política de governo. E o militar sabe disso desde quando entra na escola militar Perpétua Almeida (PC do B-AC) deputada federal, autora da “PEC do Pazuello”

“A Proposta de Emenda Constituci­onal apresentad­a pela deputada Perpétua Almeida propõe, em boa hora, a regulament­ação da participaç­ão de militares da ativa em funções de governo, separando aquelas de natureza técnica e que podem ser atribuídas a militares daquelas que permitam o risco da politizaçã­o das Forças Armadas com consequênc­ias nocivas para estas instituiçõ­es e para o país Aldo Rebelo, Celso Amorim, Jaques Wagner, Nelson Jobim e Raul Jungmann ex-ministros da Defesa, em nota conjunta

 ?? 23.mai.21/Reuters ?? O general da ativa Eduardo Pazuello discursa ao lado do presidente Jair Bolsonaro em motociata no Rio de Janeiro
23.mai.21/Reuters O general da ativa Eduardo Pazuello discursa ao lado do presidente Jair Bolsonaro em motociata no Rio de Janeiro

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