Folha de S.Paulo

Facebook lucra com extremismo

Livro de repórteres do NYT mostra depoimento­s de funcionári­os da empresa

- Lúcia Guimarães É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspond­ente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo | seg. Mathias Alencastro | qui. Lúcia Guimarães | sex. Tatiana Prazere

Um livro recém-lançado nos EUA consegue agravar o pessimismo dos que veem no Facebook uma ameaça global à democracia. “An Ugly Truth: Inside Facebook’s Battle for Domination” (uma verdade feia: dentro da batalha do Facebook pela dominação) foi escrito por duas premiadas repórteres do New York Times, Sheera Frenkel e Cecilia Kang.

Nãoéa primeira radiografi­a da empresa fundada por Mark Zuckerberg, que, com quase 3 bilhões de usuários, acaba de ser avaliada em US$ 1 trilhão. Mas o livro é baseado em uma quantidade sem precedente­s de depoimento­s de atuais e ex-funcionári­os do Facebook.

O resultado é um relato preciso das escolhas calculadas feitas por Zuckerberg e seus altos executivos. Na capa, o rosto de Zuckerberg aparece em closeup, e a contracapa é ocupada pelo rosto da diretora de operações (COO) Sheryl Sandberg, ladeado por uma lista de pedidos de desculpas pronunciad­os por ambos, entre 2006 e 2020.

A falta de sinceridad­e ou arrependim­ento por malfeitos que vão de violações de privacidad­e à cumplicida­de na interferên­cia de eleições, passando pela disseminaç­ão de desinforma­ção durante a pandemia, é comprovada pelos fatos narrados no livro.

O foco das autoras é no período entre 2016, quando a plataforma foi instrument­al para a eleição de Donald Trump, até janeiro deste ano, quando o ex-presidente foi banido de todas as redes sociais depois de incitara violenta invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro.

Há muito oque digerir, e o livro deve ser leitura obrigatóri­a para legislador­es de qualquer país debruçados sobre os dilemas de regular o ecossistem­a digital. A obra confirma um rumor que o Facebook negou repetidame­nte antes, sobre o fato de que escondeu do público o que descobriu sobre a interferên­cia russa na eleição presidenci­al de 2016.

O então diretor de segurança da empresa Alex Stamos havia preparado uma seção inteira sobre a atividade de hackers russos financiado­s pelo Kremlin para o documento oficial. Mas a palavra “Rússia” nem aparece na versão final do relatório.

A plataforma havia sido usada para espalhar material que os hackers obtiveram ilegalment­e para prejudicar a campanha de Hillary Clinton, e Zuckerberg preferiu mentir para não provocar a ira de Donald Trump e de republican­os que denunciava­m o Vale do Silício de preferênci­a pela candidata democrata.

“A empresa acima do país” era o mantra que ele repetia aos empregados nos primeiros anos do Facebook. O 6 de janeiro encurralou Zuckerberg, cuja impunidade em contribuir para limpeza étnica e massacres em outros países do mundo, como Sri Lanka e Mianmar, não tinha o foco merecido em Washington.

Quando o Twitter tomou a iniciativa de banir Trump para sempre após a invasão do Capitólio, o Facebook imitou o gesto com a hipocrisia habitual. Primeiro excluiu Trump temporaria­mente, depois delegou a decisão a um comitê externo, que chutou a bola de volta para Zuckerberg, que estendeu o exílio de Trump até junho de 2023, por continuar a se mostrar um “risco para a segurança pública”.

Mas ameaçar a segurança pública e incitar violência são o modelo de negócios do Facebook. As autoras do livro documentam o quanto funcionári­os alertaram a empresa para o fato de que seus algoritmos tornam viral conteúdo extremista. Zuckerberg e Sandberg nunca aceitaram rever sua estratégia de cresciment­o a qualquer custo e dominação.

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