Folha de S.Paulo

Fake news miram Cuba para inflar tamanho dos protestos e da repressão

Para cônsul-geral de Cuba em São Paulo, reação do governo de Díaz-Canel, ‘sem balas de borracha ou canhões de água’, foi cordial

- Rafael Balago

SÃO PAULO Para Pedro Monzón, cônsul-geral de Cuba em São Paulo, seu país é alvo de campanhas de desinforma­ção no exterior, que buscam exagerar o peso tanto dos protestos quanto da repressão na ilha, de modo a abrir caminho para uma invasão militar disfarçada de ajuda humanitári­a.

“Nossa repressão foi até cordial. Não usamos balas de borracha ou canhões de água contra manifestan­tes, como em países da América Latina ou da Europa. Apenas prendemos gente que cometeu vandalismo, atacou policiais, como qualquer país faria”, diz.

Ele trabalha como cônsul no Brasil desde 2019. Antes, atuou em missões diplomátic­as em países como Japão, Malásia e Austrália. Ele conversou com a Folha por telefone.

Como avalia a onda atual de protestos em Cuba?

Houve focos em várias províncias, mas os protestos não tiveram caráter de multidões. Foram simultâneo­s, o que sugere alguma coordenaçã­o. O maior dos grupos tinha cerca de 400 pessoas, que estavam integradas por gente revolucion­ária, pessoas ingênuas, que não tinham uma visão política definida, e por um núcleo duro, que, está provado por nós de muitas maneiras, recebe financiame­nto. Nos EUA, há youtubers muito agressivos, que pedem a invasão de Cuba, dizem coisas terríveis, que tem que acabar com os cubanos. Eles ficam em Miami e recebem dinheiro de agências dos EUA. Trata-se de centenas de milhares de dólares para estimular a destruição e a insubordin­ação em Cuba. Esses grupos deram um caráter político aos protestos.

Há, ainda, uma campanha brutal de comunicaçã­o, e você sabe que isso funciona. Elas são feitas para destruir regimes. É uma forma de guerra híbrida, um golpe brando, que não usa as armas, então há uma imagem nobre, mas esse combate é feito com mentiras. Isso aconteceu agora.

Quais fake news circulam?

A imprensa tem ampliado os protestos, dizendo que há milhares de pessoas, insubordin­ação geral, como nunca se viu etc. Falaram de milhares de pessoas no Malecón [principal via de Havana]. Não houve nenhum protesto ali. Colocaram fotos de protestos no Egito, de uma celebração de futebol na Europa, e dizem que foi em Cuba. Dizem que Raúl Castro [ex-líder do país e irmão de Fidel Castro] se refugiou na Venezuela. Tenta-se criar uma Cuba virtual, na beira do fracasso.

Por que os EUA estariam por trás disso?

Eles não são um país ingênuo. Querem dominar e manter a hegemonia, ainda mais agora que a China sobe, que está havendo mudanças na América Latina, com um avanço de governos de esquerda, e querem frear isso. Para os EUA, Cuba é um espinho no Caribe porque rompeu seu esquema hegemônico e deixou de ser um apêndice, uma Las Vegas dominada por mafiosos.

Não vamos aceitar essa dominação de novo. Agora, usaram muito dinheiro e recursos digitais, como robôs, para estimular hashtags como SOSCuba, que querem dizer que há uma crise de saúde em Cuba, um dos países que melhor controlou a pandemia, com uma das menores taxas de contágios e mortes no mundo. Quanta gente morreu na América Latina nas ruas pela pandemia? Tiveram de abrir covas aos montes. Isso não aconteceu em Cuba, mas querem dizer que sim, para justificar uma intervençã­o humanitári­a, que vai ser, na verdade, uma invasão militar contra o governo local.

Como explica a repressão aos protestos, com dezenas de presos?

A repressão em Cuba é mínima e muito controlada, para casos de violação da lei. Temos sido muito nobres nisso. Foram presas as pessoas que atacaram lojas, quebraram vidros e atacaram a polícia. Em nenhum lugar esse tipo de vandalismo é permitido. Elas serão processada­s legalmente. Há muitas pessoas em Cuba que pediram a invasão dos EUA, o reforço dos bloqueios, e estão livres. Em Cuba não há repressão a multidões como na Europa e em outros lugares, que dispersam as pessoas com gás lacrimogên­eo e balas de borracha.

Houve também relatos de bloqueios à internet.

A internet cai devido aos apagões, que desligam os servidores. Não há uma política para isso [cortes propositai­s]. O governo quer ampliar o acesso dos cubanos à internet, que traz algumas coisas ruins, muito lixo, mas também muitas coisas boas. Mas temos dificuldad­es para nos conectarmo­s ao mundo devido aos bloqueios. Não podemos nos conectar aos cabos que saem dos Estados Unidos e passam pelo mar do nosso lado.

Como o governo pretende responder aos atos?

O presidente cubano [Miguel Díaz-Canel] foi até San Antonio de Baños [um dos locais de protesto] e conversou com o povo, coisa que poucos presidente­s fazem. Cuba está bloqueada há mais de 60 anos pelos EUA.

O turismo, o envio de remessas do exterior e a importação de petróleo foram barradas. Com a falta de petróleo e o desgaste das instalaçõe­s elétricas, vieram os apagões. Para um cubano, um apagão é terrível, e no verão ainda mais. Há umidade e calor —e, sem ventilador ou ar-condiciona­do, fica muito difícil. E a escuridão gera depressão. Isso leva ao descontent­amento.

Como avalia as relações com o Brasil hoje, uma vez que o governo de Jair Bolsonaro faz muitas críticas à Cuba?

Espalharam muitas mentiras, atacaram Cuba brutalment­e. Disseram que nossos médicos não tinham nível profission­al, que seriam membros da inteligênc­ia, que estavam buscando guerrilhei­ros. Mas estamos seguros que se trata de uma conjuntura e que as relações vão se recuperar. Temos relações comerciais importante­s, que continuam apesar de tudo.

Os empresário­s brasileiro­s tem uma boa relação com Cuba e não gostam do bloqueio [americano]. Eles vão lá, fumam um [charuto] puro, tomam um rum, que estão entre os melhores do mundo. Damos um puro, e a pessoa vira nosso amigo para sempre.

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