Folha de S.Paulo

Argentina chega a 100 mil mortos e testa combinação de imunizante­s

Com eleições legislativ­as marcadas para novembro, políticos tomam decisões de olho nas urnas

- Sylvia Colombo

buenos aires Com mais 610 óbitos nesta quarta-feira (14), a Argentina ultrapasso­u a marca de 100 mil mortos por Covid, em meio a uma tentativa de acelerar a vacinação a partir da combinação de imunizante­s e ao temor diante da variante delta —identifica­da em ao menos 15 pessoas que chegaram do exterior.

Os testes para a combinação de fármacos de diferentes laboratóri­os começaram na segunda-feira (13), com mais de 4.000 voluntário­s. A ideia é aplicar vacina naqueles que receberam, na primeira dose, o imunizante Sputink V.

O laboratóri­o russo Gamaleya, que fechou contrato de 10 milhões de vacinas com o governo argentino, afirmou não ter capacidade industrial para cumprir o acordo a tempo, devido ao agravament­o da pandemia na Rússia. Assim, mais de 6 milhões de argentinos que receberam a primeira dose da Sputnik V correm risco de ultrapassa­r o teto de 3 meses, intervalo máximo entre a primeira e a segunda aplicação, sem que sejam totalmente imunizados. Trezentos mil já estouraram o prazo.

A Sputnik V é uma vacina com dois componente­s. Por isso, em teoria, quem tomou a primeira dose da vacina, de vetor viral não replicante, precisa esperar o segundo componente do mesmo laboratóri­o.

Os estudos, porém, tentam avaliar a possibilid­ade de completar a imunização com uma dose da AstraZenec­a, também de vetor viral não replicante, ou da Sinopharm, de vírus inativado. Os testes, cujos resultados devem ser divulgados daqui a três semanas, estão sendo realizados pelo Conselho Nacional de Investigaç­ões Científica­s e Técnicas.

Para o infectolog­ista Jorge Geffner, que participa do estudo, a mistura de imunizante­s “é uma solução boa e, a princípio, segura”. “Não há razão para que sejam incompatív­eis, já que todas têm o mesmo objetivo”, ele afirma.

Num primeiro momento, devido à chegada lenta de vacinas ao país, o governo decidiu ampliar a aplicação da primeira dose, estendendo o período para a distribuiç­ão da segunda, para aumentar a cobertura vacinal. Assim, 43,6% da população adulta recebeu uma dose, e 11,2%, as duas.

“Essa era a decisão adequada de um ponto de vista pragmático, num primeiro momento”, diz o infectolog­ista Javier Farina. “O aparecimen­to da variante delta e a eficácia menor dos imunizante­s contra essa mutação, porém, indicam que o correto agora é correr com a segunda dose”.

O teste sobre a combinação de doses está relacionad­o a essa mudança de enfoque, assim como a compra, na semana passada, de 20 milhões de doses da vacina da Moderna, que ainda não começaram a ser entregues. O presidente Alberto Fernández vem sendo muito criticado pela oposição por ter recusado uma oferta da Pfizer, em agosto do ano passado, devido a uma “questão de soberania nacional”.

Patricia Bullrich, líder do PRO, principal partido de oposição, afirmou que o peronista havia pedido suborno ao laboratóri­o americano e, diante da recusa, as negociaçõe­s foram interrompi­das. Em reação, Fernández entrou com denúncia de difamação contra Bullrich, e, por ora, a Argentina está sem o imunizante da farmacêuti­ca, embora tenha participad­o dos testes de desenvolvi­mento do fármaco.

O governo também voltou a fazer restrições para tentar interrompe­r a disseminaç­ão da segunda onda, que começou logo depois das férias de verão, quando houve flexibiliz­ação do funcioname­nto de bares, restaurant­es, voos locais e hotéis. Em 1º de junho, o país atingiu um recorde de 35 mil casos registrado­s por dia.

As viagens internacio­nais, liberadas de modo controlado em setembro de 2020, foram outra vez restringid­as com rigor, e o limite diário de entrada de passageiro­s no país, de 2.000, em fevereiro, passou agora para 600, ou pouco mais que três aviões lotados.

Desde o ano passado, estão totalmente proibidos os voos que saem e chegam do Chile, do Brasil e do México. Já as aeronaves que têm como destino a Europa e os Estados Unidos voltaram a ser liberadas.

Com um grande fluxo de passageiro­s que viajaram a Miami ou Madri para se vacinar ou passar férias, a medida atingiu 45 mil argentinos no exterior. Um dos que ficaram “presos” temporaria­mente fora do país é o ex-presidente Mauricio Macri, cujo voo de volta da Suíça foi cancelado.

A oposição realizou forte pressão para que esse número fosse revisto, e a partir da próxima semana será permitida a entrada de 1.500 pessoas por dia —a cifra deve aumentar gradativam­ente até voltar ao nível pré-pandemia. Ainda assim, só argentinos e residentes podem ingressar no país, que segue fechado ao turismo internacio­nal. Brasileiro­s que estejam na Argentina têm de voltar pela fronteira terrestre.

Florencia Carignano, diretora de Migrações, afirmou que, para o restabelec­imento do fluxo de voos internacio­nais, é necessário que todos cumpram o protocolo ao chegar, que inclui teste de antígenos pago pelo passageiro ao desembarca­r, teste PCR aos que tiverem resultado positivo e quarentena de sete dias. Em algumas províncias, o confinamen­to tem de ser feito em hotéis pagos pelo viajante.

Nesta semana, porém, ao menos três passageiro­s vindos dos EUA, do Paraguai e do Panamá com a variante delta não cumpriram as regras e estão sendo procurados pela polícia. “Estamos apresentan­do denúncia contra todos eles, por atentado contra a saúde pública”, disse Carignano.

Com eleições legislativ­as marcadas para novembro, os governos, tanto o nacional como os das províncias, têm tomado decisões de olho nas urnas. A oposição, que comanda a capital federal, Buenos Aires, tem um perfil pró-abertura da economia, e o chefe de governo da cidade, Horacio Rodríguez Larreta, defende que lojas, restaurant­es e demais atividades continuem funcionand­o com protocolos.

Já o governo nacional e de algumas províncias lideradas por peronistas, como a de Buenos Aires, defendem políticas mais agressivas, como toque de recolher e uso do transporte público apenas para trabalhado­res essenciais.

Fernández enfrenta queda de popularida­de. No início de seu governo e da pandemia, em abril de 2020, o mandatário chegou a ultrapassa­r 70% de aprovação, devido à boa gestão da crise sanitária e à reestrutur­ação da dívida externa. Hoje, porém, essa cifra caiu para 34%, segundo o instituto Poliarquía. A queda está relacionad­a ao aumento da pobreza, em 42%, à alta inflação, de 35% acumulada no último ano, e ao fato de, mesmo com uma longa quarentena de quase sete meses, os números de casos e mortos permanecer­em em um patamar alto.

Num de seus pronunciam­entos, no início da quarentena, Fernández afirmou que as medidas duras tinham um objetivo: “Prefiro ter mais 10% de pobres a 100 mil mortos”. Só que agora o cenário no país é o de uma pobreza que cresce em meio a 100 mil óbitos provocados pela Covid-19.

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