Folha de S.Paulo

Reforma do IR afeta vale-alimentaçã­o e livra tributação em paraísos fiscais

Nova versão do texto elimina possibilid­ade de empresas deduzirem benefício da base de cálculo

- Fábio Pupo e Bernardo Caram

brasília A nova versão da reforma do Imposto de Renda elaborada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e pelo relator, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), elimina a possibilid­ade de empresas deduzirem o vale-alimentaçã­o da base de cálculo do Imposto de Renda e também a previsão de taxar recursos de brasileiro­s em paraísos fiscais.

Hoje, as empresas que optam pelo regime de pagamento do lucro real podem deduzir o valor destinado ao benefício. Para isso, elas devem aderir ao Programa de Alimentaçã­o do Trabalhado­r —criado na década de 1970 para incentivar empresas a destinarem recursos à alimentaçã­o de empregados de baixa renda.

“O que o substituti­vo fez foi retirar essa possibilid­ade”, diz o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), que participou das discussões. Caso o texto seja aprovado, a dedução valeria só para os auxílios pagos no ano-calendário de 2021.

De acordo com os cálculos apresentad­os por Sabino a líderes do Congresso, a medida eleva em R$ 1,5 bilhão a arrecadaçã­o. O valor é apenas uma fração do corte no IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) promovido pelo texto.

A proposta corta 12,5 pontos percentuai­s da alíquota, gerando um alívio de R$ 98,1 bilhões para as empresas brasileira­s sem medidas compensató­rias suficiente­s e deixando um rombo de R$ 30 bilhões para as contas públicas.

Na iniciativa privada, entre as mais afetadas estão as empresas intermedia­doras desses benefícios —que devem ver menos interesse das companhias em pagar esses auxílios.

A ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhado­r) foi surpreendi­da com a informação nesta semana. A diretoria da entidade, que representa empresas como Alelo e Sodexo, ainda analisa a proposta.

A nova versão também traz um alívio nas regras para investidor­es na comparação com a proposta original.

O relatório cria exceções para a tributação anual dos chamados fundos de investimen­to fechados —instrument­o que permite o pagamento de impostos somente no resgate da aplicação (até lá, o fundo pode movimentar os recursos livremente sem ser taxado).

Os fundos fechados têm vantagem em relação aos demais investidor­es. A pessoa física, por exemplo, paga ao resgatar cada investimen­to tributável. Já os abertos pagam tributos duas vezes ao ano (cobrança chamada de come-cotas).

O projeto de lei original enviado pelo governo cria a tributação anual de 15% para os fundos fechados. Mas a nova versão, apresentad­a na terçafeira a líderes partidário­s, adiciona exceções à regra.

Uma delas são os fundos de investimen­to imobiliári­os, instrument­o difundido no mercado e alvo de preocupaçã­o entre investidor­es devido às eventuais alterações.

Também vão escapar da tributação anual os fundos de infraestru­tura (FIP-IE), de pesquisa, desenvolvi­mento e inovação (FIP-PD), os ligados a cadeias produtivas agroindust­riais (Fiagro) e outros.

“Estamos trazendo a desoneraçã­o de fundos relacionad­os a investimen­tos importante­s do país, principalm­ente na área de infraestru­tura”, afirmou Sabino.

Outra exceção criada foi para fundos de investimen­to constituíd­os exclusivam­ente por investidor­es residentes ou domiciliad­os no exterior.

Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio, afirma que a medida pode ser positiva por evitar a expulsão de capital estrangeir­o —mas, por outro lado, pode gerar uma brecha para que brasileiro­s usem empresas fora do país (offshore) para driblar a regra.

“Se você tem uma offshore, [a regra] traz uma situação de planejamen­to tributário”, afirma. “Mas, ainda assim, você teria mais benefícios em termos de política fiscal ao não fechar uma porta para o capital estrangeir­o”, diz.

Também foram retiradas regras que combatem a chamada elisão fiscal (quando contribuin­tes usam artifícios para escapar da tributação). O projeto original do governo passava a cobrar impostos sobre lucros de empresas de brasileiro­s domiciliad­as em paraísos fiscais —mesmo que os recursos não fossem trazidos para o Brasil. A nova versão eliminou esse trecho.

Segundo Sabino, as regras contra a elisão foram deixadas para um projeto futuro —mas não foi dito quando tal texto será apresentad­o. A medida é recomendad­a internacio­nalmente, inclusive pela OCDE, para combater a erosão da base tributária.

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Edu Andrade - 5.jul.21/Divulgação Ministério da Economia O relator da reforma do Imposto de Renda, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), e o ministro Paulo Guedes (Economia), durante audiência

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