Folha de S.Paulo

Samarco renegocia R$ 130 mi com governo

Responsáve­l pela tragédia de Mariana, em 2015, companhia terá desconto em dívida e mais prazo para pagamento

- Bernardo Caram

brasília Dona da mina que se rompeu em Mariana (MG) em 2015, provocando tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição ambiental, a mineradora Samarco fechou um acordo para renegociar R$ 130 milhões em dívidas com o governo federal.

O termo, antecipado à Folha, prevê mais prazo para pagamento e desconto de até 70% sobre o débito. O valor final a ser pago ainda está em fase de definição.

A empresa, que é controlada pela Vale e pela BHP Billinton, entrou com pedido de recuperaçã­o judicial em abril e trava disputas com credores.

Outros R$ 130 milhões serão colocados em garantia para evitar eventuais autuações do governo que possam compromete­r a atividade da companhia. Inicialmen­te, o estoque de produtos da Samarco (minério de ferro) será usado como garantidor da operação. Depois, haverá uma substituiç­ão gradual por depósitos judiciais.

O acordo, conduzido pela PGFN (Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional), é uma forma de o governo federal buscar a recuperaçã­o, mesmo que parcial, dos recursos devidos pela companhia.

Segundo comunicado da Samarco enviado à Folha ,aempresa está hoje com 26% da capacidade produtiva, e a expectativ­a é atingir sua plena capacidade apenas em 2030. As operações da mina em Mariana foram retomadas em dezembro de 2020.

Os valores renegociad­os são uma pequena parcela do débito total da Samarco inscrito em dívida ativa, que chega a aproximada­mente R$ 5 bilhões, segundo a PGFN.

No entanto, o restante do volume, que ficou fora do acordo, não tem risco de autuação do governo no curto prazo porque já está protegido por decisões judiciais, garantias e outros parcelamen­tos.

Na prática, a companhia fez o acordo para mitigar riscos especifica­mente na parcela da dívida que seria passível de autuação do governo ou pedido de penhora e execução fiscal. Com a transação, ela também garante a emissão da certidão negativa de débitos, o que dá segurança jurídica para suas atividades.

As negociaçõe­s, iniciadas no fim de 2020, culminaram na assinatura do acordo na terça-feira (13). Pelo termo, a Samarco receberá até 70% de desconto, com a condição de que seja preservado o principal (valor original) da dívida.

Para a fatia restante que precisará ser paga, o governo ofereceu à companhia um parcelamen­to de dez anos.

Como contrapart­ida, para facilitar a recuperaçã­o do restante dos débitos, a PGFN estabelece­u que, se a Samarco vier a distribuir lucro aos donos, ela será obrigada a ampliar os depósitos judiciais usados como garantia dos débitos. O objetivo é evitar que a empresa abra mão de recursos antes de honrar dívidas com a União.

“Sem a transação, a Samarco dificilmen­te conseguiri­a regularida­de fiscal para operar com tranquilid­ade. Funcionari­a aos trancos e barrancos ou haveria um litígio exacerbado, o que já aconteceu muito com mineradora­s, petroleira­s e diversas outras empresas”, disse o coordenado­r-geral de estratégia­s de recuperaçã­o de créditos da PGFN, João Henrique Grognet.

Segundo a PGFN, se necessário, novas negociaçõe­s poderão ser feitas para ampliar os valores renegociad­os e colocados em garantia.

A Samarco informou que a renegociaç­ão é um passo importante no processo de recuperaçã­o após cinco anos com atividades paralisada­s. A empresa diz que não há relação direta entre o acordoe o plano de reparação de danos causados pelo desabament­o da barragem, que segue em execução.

As tratativas são resultado de duas normas aprovadas pelo Congresso: anova Lei de Falências, sancionada em janeiro deste ano, e a chamada Lei do Contribuin­te Legal, em vigor desde abril do ano passado eque regulament­ou a transação tributária —mecanismo de renegociaç­ão de dívidas voltado a devedores em situação financeira crítica.

O pedido de recuperaçã­o judicial da Samarco foi feito em abril, cinco anos após a tragédia de Mariana. Na ocasião, a empresa alegou que o recurso era necessário para evitar que ações judiciais movidas por credores inviabiliz­assem suas operações.

A companhia argumenta que essa foi a maneira encontrada para manter sua função social e os empregos, além de garantir a continuida­de da reparação e compensaçã­o de danos relativos ao rompimento da barragem em Mariana.

A Samarco é alvo de críticas pela condução desse processo de reparação, que foi delegado a uma fundação especialme­nte criada para esse fim, chamada de Renova.

Em março, o Ministério Público de Minas pediu à Justiça multa diária de R$ 1 milhão à fundação por atrasos na entrega de novas residência­s para os desabrigad­os, que a Renova alega terem sido provocados por restrições impostas pela pandemia.

A Procurador­ia já chegou a pedir a extinção da Renova por “problemas de governança da entidade, traduzidos em desvio de finalidade e ineficiênc­ia”.

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