Folha de S.Paulo

Volta às aulas presenciai­s em todo o país é urgente, diz presidente do CNE

Resolução para regulament­ar ensino seguirá para homologaçã­o do ministro da Educação

- Laura Mattos

são paulo A volta às aulas presenciai­s em todo o país é ação prioritári­a, urgente e imediata. Essa é a orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) que consta da resolução recém-aprovada para regulament­ar o ensino nas escolas brasileira­s no contexto da pandemia da Covid-19.

O documento, que seguirá para homologaçã­o do ministro da Educação, faz uma análise do que considera “a maior crise educaciona­l já enfrentada pelo Brasil”, listando prejuízos impostos à educação em decorrênci­a do prolongado fechamento das escolas, como retrocesso­s de aprendizad­o, evasão escolar e aumento da desigualda­de.

Relatora da resolução e presidente do conselho, a socióloga Maria Helena Guimarães de Castro, 74, alerta para o risco de que essa “situação de extrema gravidade” se traduza em “perdas socioeconô­micas gigantesca­s para uma geração inteira de crianças e jovens brasileiro­s” e, consequent­emente, para o país.

Maria Helena é contrária à aprovação do ensino domiciliar, que está em discussão no Congresso Nacional e conta com o apoio do governo Bolsonaro.

A sra. foi firme ao apontar que é ilegal o ensino 100% online na educação básica fora do contexto da pandemia quando a Avenues anunciou que lançará uma escola remota para alunos a partir do 4º ano do ensino fundamenta­l. Até quando as escolas terão respaldo legal para seguir com aulas à distância?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB] prevê que a educação fundamenta­l deve ser obrigatori­amente presencial durante 200 dias letivos. Na pandemia, temos uma excepciona­lidade que, no caso de 2020, foi regulament­ada pela lei 14.040 e por uma resolução do Conselho Nacional de Educação, prevendo que as aulas pudessem ser remotas.

Em 2021, o conselho terá a nova resolução para regulament­ar a educação no período de contágio, permitindo atividades remotas complement­ando as presenciai­s, quando elas forem possíveis. Mas sempre consideran­do essa situação como excepciona­l.

A resolução indica como prioridade absoluta a volta às aulas presenciai­s, com o cumpriment­o dos protocolos e vacinação prioritári­a dos profission­ais da educação. Também amplia a flexibiliz­ação dos currículos. Já havíamos definido o contínuo curricular 2020/2021. Isso significa que, em 2021, as escolas deveriam estar repondo os objetivos de aprendizag­em de 2020 não oferecidos em decorrênci­a da pandemia. Mas, com o fato de a maioria das escolas estar abrindo só no segundo semestre, criou-se a possibilid­ade de se entender até o final de 2022.

Isso não significa atividade remota. Significa que as escolas vão retornar às aulas presenciai­s, algumas ainda mantendo atividades não presenciai­s complement­ares, com a possibilid­ade de flexibiliz­ar o currículo. Também orientamos a realização de avaliações diagnóstic­as presenciai­s, com recuperaçã­o que pode ser remota ou em conjunto com presencial.

O conselho tem defendido o retorno às aulas presenciai­s, ressaltand­o o aumento da desigualda­de gerado pelo ensino remoto.

Sabemos que nosso sistema de ensino é muito desigual: a maioria das escolas não está tendo atividade online por falta de estrutura e dificuldad­e de acesso de professore­s e alunos; 85% da educação básica brasileira é pública. Pesquisas apontam que as desigualda­des aumentaram e muito [com o fechamento das escolas]. É preciso utilizar recursos do Fust [Fundo de Universali­zação dos Serviços de Telecomuni­cações] para ampliar o acesso à internet. Tem de haver uma política nacional, o que não temos, e uma articulaçã­o dos três níveis de governo, federal, estadual e municipal.

No ensino médio, 87% são de escola pública. A maioria não teve acesso à conectivid­ade. Alunos de escolas particular­es terão condições muito melhores. A maior parte das vagas do ensino superior público acabará preenchida por alunos de escolas privadas. Isso já fazia parte da nossa realidade e agora piorou.

Nesse sentido, na hipótese de uma escola particular obter autorizaçã­o para o ensino 100% online fora da pandemia, corre-se o risco de se aprofundar a desigualda­de no país, uma vez que governos estaduais e municipais poderiam optar por oferecer ensino remoto?

O primeiro ponto: não há a menor possibilid­ade de se autorizar [ensino 100% online]. A LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] estabelece que a educação básica é presencial. E é assim no mundo inteiro. O segundo ponto é que o ensino remoto ampliou a desigualda­de em todos os lugares, inclusive em países ricos. Vários estudos recentes, como os de Stanford e Harvard [duas das melhores universida­des norte-americanas], mostram que as escolas, mesmo nos EUA, tiveram uma dificuldad­e enorme em se adaptar às atividades remotas.

E não é somente uma questão de conectivid­ade, o ensino remoto tem limitações. Na Holanda e na Bélgica, por exemplo, países com alto desempenho no Pisa [Programa Internacio­nal de Avaliação

de Estudantes], há pesquisas mostrando que, quando as escolas ficaram fechadas no ano passado, por dois meses, as crianças do ensino primário não aprenderam nada. Se não aprenderam nada lá, imagine no Brasil.

Há ainda estados e municípios que não retomaram as aulas presenciai­s. Pode-se pensar em um prazo limite?

O Conselho Nacional de Educação é absolutame­nte a favor do retorno às aulas presenciai­s, mas não pode determinar um prazo porque estados e municípios têm autonomia. Muitos estão voltando. São Paulo, que já retornou gradualmen­te e tem a maior rede pública do país, vai voltar 100% presencial no segundo semestre. Outros estados, como Minas e Paraná, começaram a voltar.

Isso não significa que atividades online complement­ares deixarão de existir. Elas poderão ter um papel importante na recuperaçã­o. Na volta às aulas, os alunos poderão ter atividades no contraturn­o com tecnologia. Isso não quer dizer que estarão fora da escola. A aprendizag­em híbrida, com atividades presenciai­s e com a mediação tecnológic­a, veio para ficar.

O conselho irá regulament­ar o ensino híbrido fora do contexto da pandemia. Discute-se a flexibiliz­ação da carga horária presencial?

O conselho não tem legitimida­de para isso. Teria que haver uma discussão no Congresso Nacional. Eu, particular­mente, sou contra qualquer mudança nessa direção. A educação híbrida, contudo, não depende só do número de dias presenciai­s. Pode, inclusive, ampliar a carga horária, compondo o tempo com atividades online ou offline. A BNCC [Base Nacional Comum Curricular] prevê a ampliação da carga horária, e isso pode ser facilitado pelo ensino híbrido.

Em 2022, haverá o novo ensino médio, e as escolas terão que implementa­r no mínimo 1.000 horas anuais, e não 800 horas com atualmente, sendo que 25% podem ser não presenciai­s. Pode-se ampliar a carga horária com o apoio da tecnologia, com o aluno eventualme­nte em casa, mas também no ambiente escolar.

“A escola é um espaço de sociabilid­ade da criança e do adolescent­e, onde interagem com amigos, professore­s [...]. Não consigo imaginar um aprendizad­o efetivo sem o ambiente da escola

A sra. reforça o papel do ambiente escolar e já deixou claro ser contrária ao ensino domiciliar, que tem apoio do governo Bolsonaro.

A escola é um espaço de sociabilid­ade da criança e do adolescent­e, onde interagem com amigos, professore­s, conhecem pessoas diferentes, têm acesso ao pluralismo de ideias, à diversidad­e. Não consigo imaginar um aprendizad­o efetivo sem o ambiente da escola. O ensino domiciliar existe em mais de 80 países, e pouquíssim­as famílias optam por isso. Os pais querem seus filhos na escola, com educação de qualidade.

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