Folha de S.Paulo

Ministério­s apoiam ensino domiciliar para aluno com deficiênci­a

- Raphael Preto Pereira

são paulo Maria Paula Vieira, 28, é fotógrafa e jornalista. Quando estava no ensino médio, precisou estudar de maneira remota depois de ser diagnostic­ada com uma síndrome neurológic­a não identifica­da que fez com que ela perdesse mobilidade.

“Começou aos três anos de idade, quando ainda estava na pré-escola, e com o tempo comecei a sentir muita dor. No ensino médio, eu já utilizava apenas a cadeira de rodas”, explica. “Por conta das dores, e também por falta da acessibili­dade da escola, eu passei a estudar em casa”, explica Maria.

Ela se valeu de um dispositiv­o legal chamado de regime domiciliar, hoje só permitido a estudantes que comprovem ter algum impediment­o prolongado, como uma deficiênci­a ou internação hospitalar que impeça a ida à escola. Nessa modalidade, a escola tem que enviar exercícios para serem feitos em casa pelo aluno e acompanhar seu progresso.

Ainda que boa parte dos alunos tenha estudado remotament­e nesses últimos 16 meses de pandemia, a experiênci­a de quem já estudou por períodos prolongado­s em casa é relevante nesse momento em que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tenta fazer avançar a pauta do ensino domiciliar.

A pauta é a única prioridade legislativ­a do governo Jair Bolsonaro na área de educação neste ano, o que tem sido criticado por especialis­tas por conta da pouca relação com os grandes desafios da educação brasileira.

Trata-se de reivindica­ção histórica de grupos religiosos. Por isso, o governo quer, com a aprovação, dar um aceno à base de apoio guiada por princípios cristãos e ideológico­s.

Projeto de lei que regulament­a a prática tramita pela Câmara dos Deputados —o texto prevê regras como a realização de avaliações anuais.

O Ministério da Educação vem se manifestan­do de maneira favorável a que estudantes com ou sem deficiênci­a possam fazer uso da modalidade. A pasta tornou pública essa posição no dia 14 de maio, quando foi realizada uma audiência pública na Câmara que teve como tema a educação inclusiva na ótica do ensino domiciliar.

Na ocasião, as funcionári­as do ministério Nídia Regina Limeira de Sá e Linair Moura Barros defenderam a prática. Na audiência, Nídia disse que o MEC é favorável a que as pessoas com deficiênci­a possam ter a possibilid­ade de estudar em casa.

Ela, que afirmou ser mãe de uma pessoa surda que hoje tem 30 anos, reconheceu que a filha estudou durante a maior parte do tempo em escolas regulares. Mas destacou que muitas vezes faltavam intérprete­s de Libras (Lingua Brasileira de Sinais) e professore­s qualificad­os para lidar com estudantes com deficiênci­a.

a servidora defendeu que os alunos que optem pela modalidade de ensino domiciliar e tenham alguma deficiênci­a possam utilizar os espaços das escolas públicas destinados ao apoio educaciona­l de crianças com deficiênci­a. As chamadas salas de recurso multifunci­onais foram criadas para dar apoio aos estudantes com alguma deficiênci­a, que geralmente as frequentam no contraturn­o escolar.

Os ministério­s da Educação e da Mulher, Família e Direitos Humanos defendem o modelo de educação domiciliar.

Apesar de dizer que, caso regulament­ada, a prática será permitida para todos que optarem por ela, órgãos do governo que são favoráveis à liberação vêm utilizando argumentos relacionad­os às pessoas com deficiênci­a para sensibiliz­ar congressis­tas.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, já declarou em entrevista­s que pais de crianças com deficiênci­a e autismo querem que os filhos estudem em casa porque “não estão se adaptando à escola”.

A educação domiciliar atende cerca de 15.000 estudantes de 4 a 17 anos, segundo estimativa­s de associaçõe­s que defendem a prática. Não há estimativa que leve em consideraç­ão apenas os estudantes com deficiênci­a.

Maria, entretanto, diz que o fato de ter estudado em casa lhe trouxe problemas. “Por ter feito o ensino médio todo de casa, eu não fiz nenhum amigo naquela época. São todos da época da faculdade. E por conta da falta de socializaç­ão, também fui ficando muito tímida, e só consegui resolver isso com terapia”, afirma.

Rodrigo Mendes, 49, presidente de instituto que leva seu nome e que milita pela inclusão das pessoas com deficiênci­a na escola, diz que o argumento de que a educação domiciliar pode beneficiar as crianças com deficiênci­a é utilizado por “pessoas que não conhecem educação”.

“Já tivemos um decreto que privilegia­va as escolas especiais em detrimento das escolas regulares, e que no final do ano passado foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. Nenhum outro governo atacou a política de inclusão como esse”, disse ele, que participou da audiência pública, em entrevista à Folha.

Desde a Constituiç­ão de 1988 é garantido às pessoas com deficiênci­a que sejam inseridos na rede regular de ensino, com atendiment­o especializ­ado quando necessário.

Maria Paula diz acreditar que, se as pessoas com deficiênci­a passarem a estudar em casa, será uma forma de exclusão dessa parcela de estudantes. “Quanto mais uma criança conviver com um colega com deficiênci­a, mais fácil será que ela compreenda a diversidad­e”, diz ela.

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Zanone Fraissat/Folhapress Maria Paula Vieira fez o ensino médio em casa após o diagnóstic­o de síndrome neurológic­a

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