Folha de S.Paulo

Fim da era Nuzman mexe com política e finanças do último ciclo olímpico

COB e confederaç­ões enfrentam problemas com verbas, e atletas ganham mais poder decisório

- João Gabriel e Carlos Petrocilo

são paulo O atual ciclo olímpico tem sido um dos mais turbulento­s no cenário político do esporte brasileiro.

Desde a queda de Carlos Arthur Nuzman, que chegou a ser preso em 2017 e deixou a presidênci­a do Comitê Olímpico do Brasil (COB) após 22 anos, houve, por exemplo, mudança de estatuto na entidade após punições do COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) e o acréscimo de um dispositiv­o em vigor na Lei Pelé que veta planos de dirigentes para se perpetuar no poder.

Mas com a chegada dos Jogos de Tóquio e o fim do primeiro ciclo olímpico sem Nuzman no poder, não dá para dizer que tudo mudou.

Ainda há crises políticas e financeira­s criadas pelo continuísm­o de presidente­s nas confederaç­ões. A judicializ­ação de eleições segue acontecend­o, como nos casos da CBV (Confederaç­ão Brasileira de Voleibol) e da CBAt (Confederaç­ão Brasileira de Atletismo).

Em 2020, Paulo Wanderley foi o primeiro mandatário do COB eleito pelas urnas desde 1979 —quando Sylvio de Magalhães Padilha derrotou Carlos Arthur Nuzman para se perpetuar no poder até 1990.

Nuzman, que assumiu a entidade em 1995, responde em liberdade, mas não pode sair do país nem ter contato com outros investigad­os do suposto esquema de compra de votos para a escolha do Rio como sede dos Jogos em 2016 ou pisar em sedes de entidades esportivas.

A Folha tentou entrevistá-lo em 2020, e ele recusou. A reportagem voltou a procurálo recentemen­te, mas ele se mantém isolado, por orientação de seu advogado.

Atual mandatário do COB, Wanderley foi vice de Nuzman, ainda que na época fosse tratado por muitos como uma espécie de fantoche, sem participaç­ão real no poder. Chegou à presidênci­a pela primeira vez após a queda do poderoso cartola, em 2017.

A vitória de Wanderley, com 26 votos dos 49 possíveis na eleição de 2020, apontou para uma tendência de mudança no cenário político do esporte. Se antes o COB via pleitos em que a oposição era raridade, os 23 votos contrários ao candidato da situação mostraram que o movimento cresceu, inclusive entre os 34 dirigentes de confederaç­ões, algo praticamen­te inexistent­e na gestão anterior.

Além dos chefes de confederaç­ões, compõem o colégio eleitoral a Cacob (comissão de atletas) com 12 votos e dois brasileiro­s do COI: Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpic­o Internacio­nal (e que rompeu com Wanderley), e o ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman (que chegou ao órgão internacio­nal através de Nuzman).

Com representa­ção inédita, a Cacob foi decisiva para a escolha do novo mandatário. Como o voto é secreto, é impossível precisar se atletas e ex-atletas votaram em único candidato, como haviam pactuado. Mas sabe-se que houve consenso em favor de Wanderley e que, no mínimo, a grande maioria deles seguiu o acordo. De toda forma, a participaç­ão dos esportista­s é reflexo de um movimento de inserção deles na gestão esportiva.

Ainda antes, em 2019, foi a articulaçã­o dos atletas a principal responsáve­l por derrubar uma tentativa de manobra no estatuto por parte do próprio Wanderley, que dentre outras coisas, diminuía o poder da Cacob. A reviravolt­a, no entanto, foi tão grande, que a Cacob terminou com ainda mais peso nas votações.

Wanderley conseguiu reconquist­ar o voto dos atletas, após as tensões de 2019, muito por ajuda de seu braço direito, o ex-judoca Rogério Sampermiti­ria paio (diretor-geral da entidade), articulado­r de uma aproximaçã­o com o grupo. Também porque seu principal concorrent­e, Rafael Westrupp, votou contra a expansão do poder da Cacob ainda em 2017.

O atual mandatário ainda foi criticado no pleito de 2020 por tentar emplacar um amigo seu, que é Secretário de Segurança do estado de Goiás, Rodney Miranda, para uma cadeira no conselho do comitê, como revelou a Folha.

Seu principal concorrent­e no pleito foi Rafael Westrupp, presidente da Confederaç­ão Brasileira de Tênis (CBT), que teve 20 votos (seis a menos que o eleito). O outro candidato, Hélio Meirelles, do pentatlo, conseguiu apenas dois votos.

Enquanto aumentam os mecanismos de transparên­cia e democracia no esporte brasileiro, ainda restam prejuízos dos tempos em que cartolas como Nuzman passavam décadas no poder.

Em 2021, a Secretaria Especial do Esporte começou a reprovar a renovação de certificad­os de entidades com base no artigo 18 da Lei Pelé, que diz que elas “somente poderão receber recursos da administra­ção pública federal direta e indireta caso seu presidente ou dirigente máximo tenham o mandato de até quatro anos, permitida uma única recondução”.

Esse dispositiv­o passou a valer em abril de 2014. O entendimen­to das confederaç­ões é de que a lei não pode retroagir e que a regra passa a contar para os mandatos posteriore­s à sua aplicação, o que hoje ter dirigentes com mais de duas gestões consecutiv­as. Já o governo interpreta que o mandato vigente já em 2014 deve contar como o primeiro para fins do limite de reeleições.

Atualmente, entidades de Ginástica, Surfe e Tênis de Mesa são geridas por dirigentes com dez ou mais anos e não tiveram suas certidões renovadas, segundo portal do Ministério da Cidadania. Juntas, elas receberiam R$ 15,2 milhões.

Após o governo negar sua certidão em abril por conta da reeleição de Walter Pitombo Laranjeira­s, o Toroca, a CBV conseguiu liminar favorável na Justiça para receber o repasse federal.

Também o COB teve seu orçamento ameaçado por problemas do passado.

A entidade que rege o esporte olímpico prevê arrecadar, para 2021, R$ 285 milhões com repasses de loterias federais. Desse montante, R$ 150 milhões são para entidades esportivas.

Porém, em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Distrito Federal recomendou à Caixa Econômica que suspendess­e o repasse de verbas das loterias ao comitê, que está inserido no polo passivo de uma dívida tributária de quase R$ 191 milhões da extinta Confederaç­ão Brasileira de Vela e Motor. A situação foi resolvida às vésperas dos Jogos, e a dívida de R$ 240 milhões, renegociad­a.

Outro desafio da gestão olímpica no Brasil é a queda do investimen­to público desde a Rio-2016.

Então impulsiona­da por uma ambiciosa (e no fim não alcançada) meta de estar entre os dez primeiros colocados da Olimpíada, a injeção de dinheiro público no esporte explodiu, crescendo mais de R$ 1 bilhão após a cidade carioca ser confirmada como sede do evento.

Agora, para o ciclo olímpico de Tóquio, o total investido já caiu cerca de R$ 350 milhões.

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Divulgação COB Carlos Nuzman e Paulo Wanderley, quando eleitos para comandar o COB em 2017

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