Folha de S.Paulo

Mesmo polêmica, J.K. Rowling foi a escritora mais vendida do ano

Vendas dos livros da autora de ‘Harry Potter’ cresceram alavancada­s por nostalgia e canais de TikTok e YouTube

- Pedro Martins

ribeirão preto A magia de “Harry Potter” parece capaz de proteger sua criadora, J.K. Rowling, dos prejuízos do cancelamen­to. Suas falas sobre pessoas trans, considerad­as preconceit­uosas, não parecem ter afetado o seu bolso.

Ao vender quase meio milhão de livros ao longo de 2020, ela foi a autora mais bem-sucedida do ano no Brasil.

É o que mostra um relatório exclusivo da Nielsen, empresa especializ­ada em pesquisa de mercado. Mesmo com as dificuldad­es da pandemia, sua fantasia emplacou mais que a autoajuda de Augusto Cury —que desde 2017 encabeçava o ranking, mas no ano passado despencou 141% enquanto Rowling subiu 59%.

“Harry Potter” responde por 99% das vendas da autora. Os 3.000 exemplares restantes são compostos pelo romance “Morte Súbita”, a edição de “Vidas Muito Boas”, seu discurso a formandos de Harvard, e “O Ickabog”, uma fábula sobre autoritari­smo lançada em novembro.

“O Ickabog” é o único livro de Rowling que nunca entrou em listas de mais vendidos no Brasil. Especialis­tas não atribuem a baixa ao cancelamen­to da autora, mas ao fato de o livro ter sido lançado de graça na internet, ao título genérico e ao fechamento das livrarias, essenciais para livros infantis, que dependem de peças publicitár­ias para chamar a atenção das crianças.

“As polêmicas não afetaram em nada a venda”, diz Paulo Rocco, diretor da editora que leva seu sobrenome. “Uma coisa não tem a ver com a outra. ‘Harry Potter’ é lido porque é bom. Nem quem discorda da autora deixa de reconhecer.”

Em um artigo, Rowling se declarou preocupada com a chance de mulheres trans abusarem sexualment­e de mulheres cisgênero em banheiros, enquanto, no Twitter, divulgou uma loja que vende itens com frases como “mulheres trans são homens”.

O professor Fábio Borges, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, avalia que as declaraçõe­s de Rowling não repercutir­am fora da internet. “É difícil saber se as pessoas não ficaram sabendo ou se não se importam, mas essa polêmica não foi relevante para o consumidor brasileiro.”

As três coleções da saga lançadas no ano passado podem ter seduzido fãs nostálgico­s, mas a Rocco acredita que grande parte das vendas vieram do TikTok, que atrai crianças e adolescent­es —um público que, na avaliação do professor da ESPM, “não liga para pautas como transfobia”.

No TikTok, perfis como o da estudante Luana Pazos alcançam até 1 milhão de visualizaç­ões por postagem. No YouTube, canais como Caldeirão Furado e Observatór­io Potter reúnem mais de 1 milhão de inscritos, e há podcasts como “A Casa Elefante”, que debate os livros capítulo a capítulo.

A publicitár­ia Maria Júlia Alves afirma que esses criadores de conteúdo estão formando novos fãs, como sua irmã de 13 anos, que pediu uma coleção de presente depois de conhecer no TikTok as tramas dos livros cortadas dos filmes.

Alves, de 26 anos, faz parte da parcela de fãs mais velhos que se incomodara­m com Rowling. Na internet, alguns brincam que a autora dos livros é a atriz Emma Watson, que fez Hermione, por ser aliada à causa trans. “Trabalho com livros por causa de ‘Harry Potter’”, ela afirma. “É difícil reler, mas tenho um carinho grande pela história.”

A paixão pela saga é lucrativa. Uma das edições mais recentes, vendida a R$ 200, esgotou em quatro meses a tiragem prevista para um ano. O site PublishNew­s aponta que a caixa de livros da saga já vendeu quase metade do total do ano passado.

O sucesso se repete nos audiolivro­s para a Storytel. Entre os dez títulos mais ouvidos do app, sete são da saga, o que faz a empresa já trabalhar em mais três obras do universo.

“São experiênci­as diferentes quando você é criança, adulto e quando vê o encantamen­to do seu filho. Buscamos esse adulto nostálgico que quer reviver a história”, diz André Palme, diretor da Storytel.

No Reino Unido, a venda da série cresceu 7% no ano passado, enquanto nos Estados Unidos “Potter” é o mais vendido da seção infantil do jornal The New York Times nesta semana.

“Nasce criança todo dia, então todo dia nascem novos leitores de J.K. Rowling”, diz Paulo Rocco. “‘Harry Potter’ virou um clássico, que será passado de geração a geração.”

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