Folha de S.Paulo

Sean Baker traça retrato irônico de ex-ator pornô no filme ‘Red Rocket’

Diretor de ‘Projeto Flórida’ estreia na competição pela Palma de Ouro com mais um olhar sobre América marginal

- Ana Estela de Sousa Pinto

Em seu auge, Mickey Saber ganhou cinco prêmios de cinema pornô. Derrotado e envelhecid­o, bate na porta de uma casa de madeira com a pintura descascada, em meio a chaminés de refinarias, e usa toda a sua lábia para convencer a ex-mulher e a ex-sogra a lhe deixarem pelo menos tomar um banho.

É para a periferia industrial de Texas City que o americano Sean Baker vira suas câmeras em “Red Rocket”, que estreou no Festival de Cannes.

Mickey é interpreta­do por Simon Rex —que atuou em filmes pornô para o público gay no começo da carreira, antes de fazer sucesso como VJ da MTV. Com o banho já garantido, ele apresenta a Lexi — com quem continua casado no papel—, o plano que elaborou durante os dias da viagem de ônibus —dar aulas de caratê e ajudar a pagar as contas em troca de hospedagem.

Ela hesita, mas Lil, sua mãe, não perde tempo. Pede US$ 200 de adiantamen­to e garante um lugar no sofá da sala para Mickey durante a noite —ao amanhecer, invariavel­mente, ela liga a TV num programa sensaciona­lista do qual não desgruda mais olhos.

Sem carteira assinada há 17 anos, o ex-ator bate com a cara na porta em todas as tentativas de arrumar trabalho. Também não consegue o seguro-desemprego, já que o Texas exige 180 dias de residência no estado. Sua última opção é Leondria, traficante que o aceita como passador de drogas.

Numa de várias cenas de humor, Mickey compra um papel especial, estampado com a bandeira americana, para enrolar os baseados. “Sou um patriota”, diz, enquanto a TV mostra um discurso de campanha eleitoral do então candidato Donald Trump.

O ator quarentão parece uma criança agitada, que fala com todo mundo, com a cadela Sophie e até sozinho. Bom vendedor, faz engrenar a venda de maconha e passa a sustentar Lexi, interpreta­da por Bree Elrod, e a mãe dela.

Marido e mulher vão recobrando a intimidade na cama e fora dela, até o dia em que Mickeyleva­Le xi e Lila uma loja de doces chamada Donuts Hole —trocadilho que abre toda uma série de piadas infames sobre buracos. Lá ele conhece Raylee, uma adolescent­e ruiva de rosto inocente.

Mickey se convence de que o ar angelical de Raylee esconde um talento para o pornô, e esse vira seu novo grande plano — levara meninaa Hollywood e formar com ela um novo casal.

Atrama de “Red Rocket” é menos plausível que ade “Projeto Flórida”, que acompanhou vidas marginais na cidade de Orlando, e a estrutura continua tradiciona­l. Masse us personagen­s ricos, que se integram com fluidez, e sua capacidade de manter sempre um fio de tensão mostram por que Baker, de 50 anos, é tido como um dos mais promissore­s diretores americanos.

O filme também reforça uma marca presente desde sua estreia, em 2000, com “Four Letter Words”, sobre suburbanos e sua relação com a masculinid­ade. Baker trata das pessoas deixadas à margem da prosperida­de americana e do ambiente em que vivem, mostrados sem condescend­ência nem preconceit­o.

Em entrevista após o lançamento de “Projeto Flórida”, ele disse que quer expor “a realidade de certa classe média baixa justamente porque suas vozes não costumam ser ouvidas”. Seu longa “Tangerine”, de 2015, todo filmado comum telefone celular, estourou coma história de duas prostituta­s transgêner­o que circulam pelas ruas de Los Angeles.

“Red Rock et” éaestr ei ade Baker na competição à Palma de Ouro. “Projeto Flórida” também foi mostrado primeiro em Cannes, mas na mostra paralela Quinzena dos Realizador­es. Pelo filme, Willem Dafoe foi indicado ao Oscar de melhor ator naquele ano.

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Fotos Divulgação Simon Rex em cena do filme ‘Red Rocket’, de Sean Baker

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