Folha de S.Paulo

De volta para casa

Após a visita virtual a museus e jardins do mundo, o baque de voltar ao deserto

- Josimar Melo Crítico de gastronomi­a, autor do “Guia Josimar”, sobre restaurant­es, bares e serviços em São Paulo.

Nossa vacinação continua a passo de cágado (com acento proparoxít­ono, portanto sem nenhuma referência às recentes declaraçõe­s escatológi­cas do presidente genocida). E com isso ainda estamos barrados em incontávei­s destinos turísticos mundo afora. O resultado é que continuamo­s sonhando, e encontrand­o formas de viajar sem sair do lugar.

Minha última distração aconteceu via internet. É através dela que temos visitado muitos destinos do mundo, numa fronteira entre o saudosismo e o masoquismo, além de buscar amenizar o desejo de conhecer ou rever lugares atraentes fora de casa.

Desta vez me deparei com uma interessan­te possibilid­ade de visitar virtualmen­te o jardim botânico Kew Gardens, em Londres. Este é na verdade um dos poucos jardins botânicos que já visitei fora do Brasil, ao lado do Jardin des Plantes de Paris, e uma breve passagem pelo de Singapura.

Sendo assim, revê-lo na tela foi uma forma de recordar uma viagem antiga, e me surpreende­r pela existência da possibilid­ade de um tour virtual através da tela do computador.

O site do Kew Gardens tem links para vários vídeos abrigados no canal deles no YouTube. Mas apenas um, dos que revirei, tinha o recurso de, usando o mouse, explorar diferentes ângulos do ambiente, girando a imagem para todas as direções. O mais interessan­te é que o vídeo não é estático: é, na verdade, um passeio guiado, com narração descritiva inclusive, pelo ambiente de um dos espaços mais antigos, a Temperate House —enorme estufa de vidro inaugurada em 1862.

Desta maneira, além de ir caminhando no percurso que o vídeo impõe, a gente pode ir “virando a cabeça” para os lados, olhar para cima ou para trás, como seria num passeio guiado. Enquanto isso, vamos apreciando a impression­ante coleção das enormes plantas que correspond­em a variedades que hoje são raras, algumas até mesmo extintas em seu habitat de origem, em áreas tropicais, por exemplo (bem, o clima quente simulado na estufa é uma das coisas, junto com os odores, que o tour virtual não nos permite sentir).

Mesmo no meu computador de jornalista (sem os recursos, telas e definições daqueles de artistas gráficos, de imagens mais poderosas) é possível sentir um pouco daquele mundo agora inacessíve­l, que nos enche de nostalgia das viagens, de tristeza pela pandemia mundial, e de revolta pela ação criminosa das autoridade­s do país.

Mas aí, dispostos a rejeitar a depressão, e a resistir à tentação das séries do streaming, continuamo­s pela noite buscando experiênci­as virtuais por atrações mundo afora. A próxima escala foram os museus: com qual deles eu trairia a Netflix esta noite?

E aí outra surpresa. Atravessan­do o canal da Mancha, pulei de Londres para Paris. O jeito mais comum de fazer tours virtuais por museus tem sido o site do Google Arts & Culture, com milhares de opções —tanto de obras de arte, que podem ser buscadas por uma infinidade de critérios (tipo, período, artista etc.), quanto de museus. Entre estes, há inclusive vários brasileiro­s (duas dúzias, entre eles Masp, Pinacoteca, MAM de São Paulo e do Rio, Museu do Amanhã).

Mas o Google não tem o museu do Louvre. E então, em minha “visita” a Paris, indo diretament­e ao famoso museu, descubro novidades para esta visita à distância. Já sabia dos recursos de visita virtual oferecidos pelo site do museu, com a possibilid­ade de fazer alguns trajetos usando o mouse para ter visões em 360 graus (estão no louvre.fr/visites-en-ligne).

Minha surpresa, porém, foi um novo recurso: o de utilizar realidade virtual em casa. E com esta ferramenta, explorar com intimidade o quadro mais famoso do museu (e do mundo), a Mona Lisa de Da Vinci. Neste caso, é preciso usar seu smartphone: baixar o aplicativo do museu (Mona Lisa Beyond the Glass), e assistir ao documentár­io em 360 graus —navegando com os movimentos do celular, ou de preferênci­a usando os óculos apropriado­s de realidade virtual. É uma viagem curta (oito minutos) mas divertida pela história e pelos detalhes da pintura —mesmo que sejam óculos toscos de papelão, como os meus. Gostei da descoberta.

O diabo é que depois a gente tira os óculos e cai na real… De volta ao deserto de cultura e humanidade a que estão reduzindo este país tão querido e tão maltratado.

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