Por que falar de velhices LGBTQIA+?
FOLHA, 100 COMO CHEGAR BEM AOS 100
Carolina Rebellato e Milton Crenitte Rebellato é professora do depto. de terapia ocupacional da UFRJ e presidente do depto. de gerontologia da Soc. Bras. de Geriatria e Gerontologia do RJ; Crenitte é geriatra, coordenador do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
O Dia Internacional do Orgulho LGBT+ é celebrado em 28 de junho, data do marcante movimento de luta contra a opressão e pela garantia de direitos das pessoas LGBT+, a rebelião do pub Stonewall Inn, em Nova York, em 1969.
Aqueles jovens, que lutaram coletivamente para ser quem são, por seus direitos e pela diminuição da violência contra a pessoa LGBT +, são velhos hoje.
No Brasil, os LGBT+ idosos são aqueles que não morreram de fome pela falta de oportunidades ao longo da vida ou violentamente assassinados, dados como desaparecidos durante a ditadura. Também são aqueles que não foram vítimas da Aids e, agora, não foram vítimas da Covid-19. Tantos outros foram discriminados e hostilizados por familiares e comunidade.
São aqueles que, por um lado, participar amativamente da conquista de direitos essenciais para as novas gerações( ou testemunhara messe avanço) eque resistiram à demonização da pessoa LGBT+.
Por outro lado, foram condicionados a ocupar um lugar social marginalizado com acesso à saúde limitado e inseridos em um grupo de pessoas com risco elevado de vulnerabilidade social e de violência, com menor rede de apoio.
Nessa trajetória, combateram preconceitos mergulhados no conservadorismo, no fundamentalismo religioso, no machismo e nos preceitos hetero normativos —e continuam se opondo a isso tudo.
Quantos velhos não podem, até hoje, serem quem são? Não podem amar ou declarar seu amor? Sofrem calados por medo, vergonha, compaixão. Quantos morreram ou irão morrer sem expressar a sua identidade de gênero e orientação sexual? Quantas pessoas LGBT+ não conseguirão, em pleno século 21, ao menos, envelhecer?
Se foi possível por um tempo ter orgulho e unir forças para criar ações coletivas de cuidado, hoje o medo da violência, de ser empurrado de volta para o armário e de morrer sozinho voltam a assombrar.
O descaso político, o analfabetismo de gênero e sexualidade (temas tabus no Brasil atual) e a falta de informação precisa sobre o número de pessoas idosas LGBT+, bem como de suas condições de saúde, dificultam a análise e a implementação de medidas adequadas.
Como se já não bastasse a presença da LGTBfobia, enfrentam agora o idadismo. E se forem negros, o racismo interseccionado!
O cenário de omissão e negligência, somados à compreensão de que envelhecer ainda não é um direito de todos, uniu três instituições com o propósito de produzir material técnico sobre as velhices LGBT+: a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro, a Associação Não Governamental EternamenteSOU e o Centro Internacional de Longevidade.
O diálogo sobre velhices LGBT+ deveria extrapolar meios acadêmicos e alcançar um público diverso, visando transformar teorias e vivências pessoais ou coletivas em uma ressignificação de conceitos e práticas.
O compêndio “Introdução às Velhices LGBTI+”, disponível gratuitamente, reuniu 24 autores, que versam sobre temas como direitos, participação social, acesso a serviços de saúde, moradia, interseccionalidade e saúde mental.
Produzido com linguagem simples e atual, mescla evidências científicas e narrativas de vida, a fim de quebrar concepções conservadoras sobre a velhice. Insere-se num movimento de construir uma sociedade mais tolerante e colaborativa para todos.