Folha de S.Paulo

Morte do tesão e sequelas da pandemia

Pesquisas em todo o mundo indicam drástica diminuição na atividade sexual dos casais

- Mirian Goldenberg Antropólog­a, professora da UFRJ e autora de ‘A invenção de uma bela velhice’

Como mostrei em uma coluna recente, mais de 60% dos casais que tenho pesquisado afirmaram que o tesão desaparece­u ou diminuiu drasticame­nte durante a pandemia; cerca de 30% disseram que a pandemia não afetou a vida sexual; e só 10%, que a frequência sexual está maior e até mesmo melhor do que antes.

Encontrei três tipos de discursos entre os 60% que perderam o tesão.

Oprimeiroé “a morte do tesão ”.

São casais que transavam muito, mas que hoje encontram prazer em outras atividades. Para muitos, o sexo foi bom no passado, mas não é mais uma prioridade. Para outros, o sexo era ruim, só uma obrigação que precisavam cumprir. É um discurso mais comum entre as mulheres que percebem a aposentado­ria do sexo não como uma falta, mas como uma libertação.

Um exemplo famoso é o de Rita Lee, que afirmou, aos 72 anos, que “velho não quer trepar”. Ela, que “trepou a vida inteira”, hoje tem mais vontade de ler, aprender coisas novas, pintar, cuidar da casa. E o de Jane Fonda que, aos 82, disse que não faz mais sexo: “Não tenho tempo e já fiz muito sexo. Eu não preciso disso agora porque estou muito ocupada. Não tenho mais interesse. Tenho uma vida bem completa, com filhos, netos e amigos. Não quero mais saber de romances”.

É o grupo do “não quero nem preciso mais de sexo para ser feliz”. Um dado curioso é que nenhum homem disse que está aposentado do sexo. Para eles, as mulheres são as culpadas pela falta de sexo, reforçando a ideia de que o homem está sempre disponível para transar, inclusive nas circunstân­cias mais dramáticas.

O segundo é “não dá para ter tesão no meio de uma pandemia”. São casais que sempre tiveram vida sexual ativa e que acham natural o tesão ter diminuído. Alguns já sonham com uma explosão sexual póspandemi­a. É o grupo do “o tesão está vivo, mas agora não dá para transar. O tesão vai voltar”.

“Estamos estressado­s, exaustos, preocupado­s e sobrecarre­gados porque trabalhamo­s muito e cuidamos de muita gente. Não temos tempo, disposição e energia para transar. Preferimos dormir e relaxar quando temos algum tempo livre. Mas o amor, o carinho e a intimidade aumentaram com a convivênci­a intensa. Beijos, abraços, massagens e toques fazem parte da rotina. Todos os dias dizemos: ‘Eu te amo. Você é o amor da minha vida’. O tesão pode ter desapareci­do momentanea­mente, mas o amor, a amizade e o companheir­ismo cresceram.”

O terceiro é “será que o tesão vai voltar?”. São casais que tinham vida sexual ativa antes da pandemia e pararam de transar devido ao pesadelo que estamos vivendo. Estão inseguros e com medo de que o sexo não volte ao normal. É o grupo do “tenho medo de nunca mais ter tesão”.

“Desde o início da pandemia tentamos transar uma ou duas vezes, mas foi um fracasso. Não estamos sentindo falta de sexo, mas temos medo de que a ausência de tesão destrua o amor. São mais de 535 mil mortes e 20 milhões de casos no Brasil, sendo que oito em cada dez pessoas que têm Covid ficam com sequelas. Mas ninguém fala das sequelas sexuais, amorosas e psicológic­as que essa tragédia está provocando nos brasileiro­s. Meus amigos têm vergonha de confessar que estão brochas, impotentes e assexuados. Somos uma geração de sequelados sexuais.”

Como a morte do tesão impactará a vida amorosa e sexual no mundo pós-pandemia?

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