Folha de S.Paulo

Bolsonaro faz tratamento para evitar cirurgia

Presidente praticamen­te descarta passar por outra operação no abdome, mas especialis­tas afirmam que quadro ainda inspira cuidados

- Cláudia Collucci Colaborara­m Joelmir Tavares e Carolina Linhares, de São Paulo, e Daniel Carvalho, de Brasília

Embora Jair Bolsonaro tenha praticamen­te descartado ontem nova cirurgia e sinalizado chance de alta hoje, cirurgiões dizem que as próximas 48 horas ainda inspiram cuidados. O presidente tem evolução satisfatór­ia, segundo boletim médico, e as chances de o caso se resolver apenas com tratamento clínico são de 80%.

“É abdome com múltiplas aderências que dificulta o acesso à cavidade abdominal. As alças intestinai­s estão coladas umas às outras ou à parede [abdominal] que você não consegue soltar para chegar à obstrução. Ele tem que tirar a tela da frente [colocada em uma das cirurgias]. Ele tem uma hérnia na região subcutânea

Diego Adão Fanti Silva cirurgião do aparelho digestivo da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo) explicando as dificuldad­es de uma nova operação em Bolsonaro

Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha praticamen­te descartado uma nova cirurgia e sinalizado que poderá ter alta nesta sexta (16), cirurgiões do aparelho digestivo ouvidos pela Folha dizem que as próximas 48 horas ainda inspiram cuidados.

“Dada a facada que eu recebi e quatro cirurgias, essa obstrução [intestinal] é sempre um risco muito alto. Mas, graças a Deus, de ontem [quarta] para hoje [quinta], evoluiu bastante esse quadro. Então, a chance de cirurgia está bastante afastada”, afirmou.

As declaraçõe­s do presidente foram dadas ao programa do apresentad­or bolsonaris­ta Sikêra Júnior em entrevista ao vivo na noite desta quintafeir­a (15) e corroborad­as pelo cirurgião que o acompanha, Antônio Macedo.

“A cirurgia, a princípio, está afastada, uma vez que o intestino começou a funcionar e o abdome está mais flácido e mais funcionant­e”, disse o médico à RedeTV!.

As chances de que o caso se resolva com tratamento clínico são grandes, de 80%. A terapia consiste em jejum oral, soro de hidratação e reposição de glicose e eletrólito­s —principalm­ente sódio e potássio— e retirada do líquido acumulado no estômago por meio de uma sonda nasogástri­ca.

Em boletim médico divulgado na noite desta quinta, o hospital Vila Nova Star, onde Bolsonaro está internado desde quarta-feira (14), informou que o presidente mantém “evolução clínica satisfatór­ia”. “Desta forma, foi retirada a sonda nasogástri­ca e planeja-se o início da alimentaçã­o para amanhã [sexta].”

No hospital, Macedo disseà Folha que inicialmen­te o paciente receberá alimentaçã­o líquida, o que é necessário na fase de retomada da atividade digestiva. Posteriorm­ente, ele passará a receber alimentos pastosos e, finalmente, sólidos.

Na entrevista à RedeTV!, Bolsonaro disse que poderia receber alta nesta sexta, mas depois Macedo informou à Folha que isso não está previsto.

A equipe médica não deu detalhes sobre a causa da obstrução, mas o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse nesta quinta que uma dobra ou aderência no intestino do pai está impedindo a passagem de alimentos.

Segundo o cirurgião Carlos Sobrado, professor de coloprocto­logia da Faculdade de Medicina da USP (Universida­de de São Paulo), essas aderências (partes do intestino que ficam coladas) provavelme­nte são decorrente­s do histórico de intervençõ­es cirúrgicas após a facada que Bolsonaro sofreu em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral.

Sobrado explica que essas aderências, ou bridas, ocorrem com frequência em situações como facadas ou tiros, em que há derramamen­to de sangue e fezes no peritônio, camada que reveste o abdome. O risco aumenta com as cirurgias decorrente­s.

Daí a cautela da equipe médica que assiste Bolsonaro em tentar evitar ao máximo uma nova cirurgia. A cada nova intervençã­o na região intestinal mais riscos ele terá de desenvolve­r novas aderências e obstruções no futuro.

De acordo com o cirurgião do aparelho digestivo Diego Adão Fanti Silva, da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), além da volta do funcioname­nto do intestino, há outros sinais que precisam ser avaliados antes de se descartar uma cirurgia.

O primeiro é o chamado débito da sonda, ou seja, o volume de líquidos que está saindo pela sonda no nariz.

Esses líquidos são resultante­s da saliva deglutida, do muco do intestino, do suco gástrico, da bile e do suco pancreátic­o. Eles deveriam ser absorvidos pelo intestino, mas, devido à obstrução, acabam se acumulando no estômago do paciente —e até o início da noite desta quinta estavam sendo retirados por meio da sonda nasogástri­ca.

O normal é sair até 500 ml a cada 24 horas de um líquido de cor amarelo claro. Em casos de obstrução, o débito é maior que 1.000 ml e escurecido. “Quando a brida [aderência] começa a melhorar, há uma mudança quantitati­va [volume diminui] e qualitativ­a [fica mais claro] no débito da sonda nasogástri­ca”, explica Silva.

Outro sinal de melhora, de acordo com ele, é o paciente conseguir comer e beber sem vomitar, e o terceiro, a eliminação de gases e fezes. “A ordem desses itens varia. Pode ser primeiro um ou outro. Quando os três estiverem presentes, deu certo o tratamento clínico”, explica o cirurgião.

Para o cirurgião do aparelho digestivo Christiano Claus, outro aliado importante é o controle da obstrução com tomografia. “Hoje com os novos tomógrafos a gente consegue com muito mais precisão e rapidez determinar esses parâmetros, se está obstruído ainda ou não”, afirma.

Boletim médico divulgado na manhã desta quinta-feira informou que Bolsonaro evoluía “de forma satisfatór­ia clínico e laboratori­almente” e que o tratamento permanece o mesmo, ou seja, sem previsão de cirurgia.

Caso Bolsonaro necessite ser operado novamente, novos desafios são previstos por se tratar de abdome hostil, ou seja, que já passou por várias intervençõ­es.

“É abdome com múltiplas aderências que dificulta o acesso à cavidade abdominal. As alças intestinai­s estão coladas umas às outras ou à parede [abdominal] que você não consegue soltar para chegar à obstrução. Ele tem que tirar a tela da frente [colocada em uma das cirurgias]. Ele tem uma hérnia na região subcutânea”, afirma Diego Silva.

Um risco dessa situação é que, na hora de soltar essas aderências, pode acontecer alguma lesão nas alças intestinai­s que demandará sutura. Na primeira semana do pós-operatório, esse ponto pode abrir, o que é chamado de fístula.

“Imagina dois papéis colados um no outro e você ter que descolar um papel do outro sem rasgar. Tem que puxar bem devagarinh­o para soltar sem lesar as alças intestinai­s. É por isso que as cirurgias demoram muitas horas.”

Uma terceira complicaçã­o possível é que, ao abrir e fechar uma parede abdominal que já foi aberta várias vezes, o paciente volta a ter risco de apresentar uma hérnia incisional no futuro.

Com dores, o presidente Jair Bolsonaro foi internado no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, na madrugada da última quarta-feira, de onde foi transferid­o para São Paulo por orientação de Macedo.

O presidente passava por uma crise de soluços —foram 11 dias de reiteradas interrupçõ­es em interações com apoiadores, live e entrevista por causa de contrações involuntár­ias do diafragma.

“Dada a facada que eu recebi e quatro cirurgias, essa obstrução [intestinal] é sempre um risco muito alto. Mas, graças a Deus, de ontem [quarta] para hoje [quinta], evoluiu bastante esse quadro. Então, a chance de cirurgia está bastante afastada

Jair Bolsonaro presidente da República

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Reprodução/RedeTV! Bolsonaro e o cirurgião Antônio Macedo dão entrevista dentro do hospital
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