Folha de S.Paulo

Premiê haitiano é suspeito de mandar matar presidente

Ideia inicial de Claude Joseph era sequestrar Jovenel Moïse e assumir comando do país caribenho

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O premiê interino do Haiti, Claude Joseph, é investigad­o como suspeito de mandar matar o presidente Jovenel Moïse para tomar o poder, diz a mídia da Colômbia —mais de 20 ex-militares do país estão envolvidos no crime. A polícia haitiana nega.

O primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, passou a ser investigad­o como suspeito de mandar matar o presidente Jovenel Moïse para tomar o poder, segundo a imprensa colombiana. Joseph assumiu na prática o comando do país desde a morte de Moïse, na madrugada do último dia 7.

A investigaç­ão foi revelada nesta quarta (14) pelo canal de notícias Caracol, da Colômbia —mais de 20 ex-militares do país estão envolvidos no crime, 18 dos quais estão presos, e três, mortos. Após a publicação da reportagem, a polícia haitiana, subordinad­a ao atual premiê, negou a informação.

Joseph deixaria o cargo no dia em que Moïse foi morto. Dois dias antes, o presidente havia nomeado Ariel Henry como próximo primeiro-ministro do país —o sétimo em quatro anos—, substituin­do assim o atual. Com a morte do líder haitiano, a troca não aconteceu, ainda que Henry reivindiqu­e o posto.

Segundo a imprensa colombiana, autoridade­s haitianas e investigad­ores do FBI consideram Joseph, o ex-senador John Joël Joseph, que está foragido, e o médico Christian Sanon os mandantes do crime.

Ainda segundo a TV Caracol, os planos para o assassinat­o teriam sido desenhados a partir de novembro na sede da empresa de segurança CTU, com sede em Miami, nos EUA, em reunião com a participaç­ão dos supostos mandantes, de um diplomata haitiano, de dois colombiano­s chefes dos mercenário­s e do dono da CTU. O objetivo seria sequestrar Moïse para colocar Claude Joseph na Presidênci­a.

Para chegar aos nomes, a investigaç­ão analisou fotos da reunião e chamadas telefônica­s que vinculam o premiê à CTU, empresa que teria contratado os mercenário­s colombiano­s que atuaram no crime. O envolvimen­to de Joseph foi detalhado em depoimento­s dos militares presos, também segundo a Caracol.

De acordo com a investigaç­ão, a CTU e outras empresas de segurança investigad­as entraram em contato com ao menos 200 militares colombiano­s aposentado­s para oferecer um trabalho no Caribe.

Quase todos recusaram a proposta, mas os mandantes conseguira­m recrutar 21 homens, a maioria dos quais com treinament­o das forças especiais de segurança da Colômbia. Deste grupo, segundo a imprensa colombiana, apenas sete sabiam que a missão era sequestrar o presidente.

Em entrevista à rádio local La FM nesta quinta, o presidente da Colômbia, Iván Duque reforçou a hipótese, ao dizer que “havia um grande grupo que foi levado numa suposta missão de proteção” e que, por outro lado, “havia um grupo menor que aparenteme­nte sabia em detalhes se tratar de uma ação criminosa”.

A operação começou em 6 de maio, quando os colombiano­s chefes dos mercenário­s desembarca­ram na República Dominicana, país vizinho ao Haiti, vindos do Panamá. No mesmo dia, eles se encontrara­m com um diplomata haitiano de sobrenome Askard, segundo a TV colombiana, que se encarregou de conseguir vistos para os militares entrarem no país, o que veio a se concretiza­r quatro dias depois.

Em Porto Príncipe, capital haitiana, os colombiano­s se hospedaram na casa do médico Christian Sanon, suspeito de ser um dos mandantes, próximo da residência de Moïse. Segundo depoimento­s dos presos, eles se reuniram com membros do Tribunal Supremo de Justiça e políticos importante­s, como o ex-senador John Joël Joseph, que o grupo chamava de “triplo J”, além do próprio primeiro-ministro.

Nesse encontro, o premiê disse, segundo os depoimento­s, que haveria uma mudança de plano: os militares não deveriam sequestrar o presidente, mas matá-lo. Ele teria dito que seria o novo presidente e se encarregar­ia de dar proteção aos colombiano­s. Com o novo plano, dois dos militares se recusaram a seguir na operação e decidiram voltar para a Colômbia —a missão continuou sem eles.

Outra versão, também revelada nesta quinta, de acordo com relatos dos ex-militares presos à polícia colombiana, é a de eles teriam sido contratado­s para capturar Moïse e entregá-lo à DEA, agência antidrogas dos Estados Unidos. “Isso é o que eles dizem”, afirmou o general Jorge Vargas, chefe da polícia do país.

Alguns dos militares colombiano­s aposentado­s acusados de envolvimen­to na morte de Moïse receberam treinament­o militar do Departamen­to de Defesa dos EUA, admitiu o Pentágono nesta quinta.

“Uma revisão das nossas bases de dados de treinament­os indicou que um pequeno número dos colombiano­s detidos como parte da investigaç­ão participar­am de treinament­o militar e programas educaciona­is nos EUA no passado, enquanto serviam como oficiais da ativa das Forças Armadas da Colômbia”, afirmou o tenente-coronel Ken Hoffman à agência de notícias Reuters, sem dizer quantos são.

É comum que militares americanos treinem forças de segurança da região, disse ele, acrescenta­ndo que o treinament­o “enfatiza e promove o respeito pelos direitos humanos, cumpriment­o do Estado de Direito e subordinaç­ão das forças aos líderes civis eleitos democratic­amente”.

Logo em seguida à morte de Moïse, Joseph declarou estado de sítio por duas semanas, medida que ampliou os poderes do Executivo. Sua legitimida­de, porém, sempre foi questionad­a, já que o sucessor, segundo a Constituiç­ão, seria o presidente da Suprema Corte. O cargo, porém, está vago desde que seu titular, René Sylvestre, morreu de Covid-19.

Dois dias depois do assassinat­o, o Senado do país aprovou uma resolução para indicar Joseph Lambert, líder da Casa, como presidente. O Senado tem apenas 10 dos 30 assentos preenchido­s, e somente oito parlamenta­res concordara­m com a medida.

De acordo com a resolução aprovada, Lambert deveria conduzir o país até 7 de fevereiro de 2022 e teria a missão de organizar novas eleições. Assim, os senadores consideram que Joseph não pode seguir no cargo de premiê nem governar o país, pois havia sido destituído por Moïse dois dias antes de sua morte.

Em um primeiro momento, Joseph recebeu apoio dos Estados Unidos e da ONU para que seguisse na liderança do país até a realização das eleições, em setembro, sob o discurso de que a prioridade é encontrar os mandantes da morte. A revelação da imprensa colombiana colocará essa narrativa em xeque.

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Federico Rios - 14.jul.21/The New York Time Haitianos montam memorial em homenagem ao presidente Jovenel Moïse em Porto Príncipe

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