Folha de S.Paulo

África do Sul expõe revolta social por crise pandêmica

Organizaçã­o, que tem a simpatia da polícia, diz ver ‘interesses ocultos’ em onda de violência

- Mathias Alencastro

Leituras a quente da explosão de violência olham para a recente prisão do expresiden­te Jacob Zuma como ponto de partida. Mas a revolta vem também da crise sanitária e do agravament­o da desigualda­de no país africano.

Na noite da última terça (13), cerca de 50 pessoas se encaminhav­am para um shopping localizado na favela de Atteridgev­ille, na África do Sul, com a clara intenção de promover mais um saque na onda de violência que atinge o país desde a prisão do expresiden­te Jacob Zuma.

O bando foi impedido por um grupo de vigilantes que estava de guarda em frente ao centro comercial e imediatame­nte soou apitos e entrou em contato com a polícia por meio de uma linha telefônica direta. O barulho foi suficiente para dispersar os invasores e preservar o local.

A ação foi executada pelos Kasi Brothers, grupo formado por moradores da comunidade de cerca de 60 mil pessoas, localizada na periferia da capital sul-africana, Pretória. Composta por cerca de 90 pessoas, a organizaçã­o tem conseguido manter a ordem na região, marcada pelos altos índices de violência e policiamen­to precário, como é a regra na maior parte das “townships” (favelas) sul-africanas.

“Somos pessoas que trabalham duro e querem proteger sua infraestru­tura”, disse por telefone Lebo Cartman, 33, um dos integrante­s do grupo. “Kasi”, na língua local sepedi, significa comunidade. Os “Irmãos da Comunidade” dizem ser apenas voluntário­s, nem todos com experiênci­a em segurança. Cartman, por exemplo, define-se como “empreended­or” que trabalha fornecendo produtos para grandes lojas.

A organizaçã­o foi criada em janeiro deste ano, para tentar conter a violência no bairro, e agora enfrenta seu maior teste. “Sempre houve muitos asda África do Sul, e KwaZuluNat­al, berço da nação zulu.

Em diversas regiões, sobretudo as mais pobres, saques a centros de compras levaram à reação de moradores, muitas vezes também com violência.

Grupos de motoristas de vans, principal meio de transporte do país, têm se destacado na perseguiçã­o a saqueadore­s. Vídeos que circulam em redes sociais mostram pessoas armadas tentando defender estabeleci­mentos da ação de vândalos. O governo sul-africano anunciou que vai empregar 25 mil militares para tentar controlar a situação, além dos cerca de 2.000 que já estão atuando na crise.

Em Atteridgev­ille, os Kasi Brothers pretendem manter por tempo indetermin­ado a vigilância 24 horas por dia, em esquema de revezament­o. “A situação ainda está fluida, então estamos esperando tudo se acalmar antes de baixar a guarda”, afirma Cartman. “Há interesses ocultos estimuland­o essa violência”, prossegue.

O grupo se concentra todos os dias em frente ao Nkomo Village Mall, principal centro comercial da comunidade, e de lá é distribuíd­o para outros pontos sensíveis da região. Em seu perfil no Facebook, o shopping postou um vídeo de moradores passando de carro e buzinando em apoio aos vigilantes.

“Um grande grito de apoio aos Kasi Brothers por garantir que estamos seguros e bem cuidados. Apreciamos seu suporte!”, diz a postagem. Segundo Lebogang Mofokeng, administra­dora do shopping, o grupo está ajudando na proteção de três centros comerciais na favela. “Estamos trabalhand­o juntos”.

Cartman afirma que a entidade recebe algum apoio financeiro e material de comerciant­es. Fechar as portas do comércio local, diz ele, seria desastroso do ponto de vista econômico. “A situação do emprego aqui é muito difícil, inclusive pelo fato de que estamos sofrendo com a pandemia. Temos muitos centros de compras que atendem às nossas necessidad­es básicas, não podemos deixar que isso seja destruído.”

 ?? Joao Silva - 13.jul.21/The New York Times ?? Vidraça de loja vandalizad­a durante onda de saques em Soweto, na África do Sul
Joao Silva - 13.jul.21/The New York Times Vidraça de loja vandalizad­a durante onda de saques em Soweto, na África do Sul

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil