Folha de S.Paulo

Minirrefor­ma trabalhist­a entra em MP de cortes

Texto prevê programa para contrataçã­o de jovens e pessoas acima de 55 anos, com FGTS menor

- Thiago Resende e Danielle Brant

Relator da MP que cria o novo programa de redução de salário e jornada, Christino Áureo (PP-RJ) incluiu no texto uma minirrefor­ma trabalhist­a que havia sido proposta por Paulo Guedes (Economia) em 2019 e perdeu validade no Congresso.

O relator da medida provisória que cria o novo programa de redução de salário e jornada, deputado Christino Áureo (PP-RJ), incluiu no texto uma minirrefor­ma trabalhist­a que havia sido proposta pelo ministro Paulo Guedes em 2019 e perdeu validade no Congresso.

Além de prever que a medida de corte de jornada ou suspensão de contratos possa ser acionada futurament­e em caso de calamidade, Áureo propôs a criação de dois novos programas trabalhist­as. Um é voltado para a contrataçã­o de jovens e pessoas acima de 55 anos. O outro busca ampliar a qualificaç­ão profission­al e servir de uma rampa de acesso ao mercado de trabalho a beneficiár­ios de assistênci­a social.

A proposta deve ser votada na Câmara em agosto.

O primeiro programa reedita as principais medidas apresentad­as pelo ministro Paulo Guedes (Economia) na MP da carteira verde e amarela.

De acordo com o texto inserido por Áureo em seu relatório, podem ser contratado­s via Priore (Programa Primeira Oportunida­de e Reinserção no Emprego) jovens de 18 a 29 anos com primeiro registro na carteira de trabalho e pessoas com 55 anos ou mais e que estejam sem vínculo formal de emprego há mais de 12 meses.

Pelas regras previstas no relatório, haverá redução do recolhimen­to para o FGTS dos empregados dessa modalidade. A alíquota mensal, que normalment­e é de 8%, cairia para 2% (no caso de microempre­sas), 4% (empresas de pequeno porte) e 6% (demais).

Como o FGTS é do trabalhado­r, a redução nos depósitos não afeta as contas do governo. Por isso, a medida não tem impacto fiscal.

O objetivo é cortar custos para o patrão contratar jovens. Por outro lado, os novos trabalhado­res recebem menos na conta do FGTS por um período.

O texto indica que a contrataçã­o de trabalhado­res por meio do Priore será feita exclusivam­ente para novos postos de trabalho e terá como referência a média do total de empregados registrado­s na folha de pagamentos entre 1º de janeiro de 2020 e o último dia do mês anterior ao da publicação da lei, ou a média apurada nos três últimos meses anteriores à contrataçã­o —vai prevalecer a menor.

Além disso, a contrataçã­o por meio do Priore é limitada a 25% do total de empregados da empresa. Funcionári­os contratado­s por outras formas de contrato de trabalho não poderão ser recontrata­dos em modalidade do programa pelo mesmo empregador pelo prazo de 180 dias.

O contrato do Priore terá duração máxima de 24 meses. Se esse período for ultrapassa­do, será convertido automatica­mente em contrato por prazo indetermin­ado.

Os trabalhado­res contratado­s por meio do Priore terão direito de receber o BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), com valor equivalent­e ao salário mínimo hora.

O bônus alcançará um quarto do número de horas de trabalho acordadas, limitado ao valor mensal correspond­ente à duração do trabalho de 11 horas semanais. O BIP será custeado com recursos da União e do Sistema S. Também poderá ser pago com verba do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) e do Fundo de Combate e Erradicaçã­o da Pobreza.

Na avaliação do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), o texto ainda precisa ser negociado.

“Tem uma criação de um programa de estímulo para um faixa etária onde o desemprego realmente é acima da média, mas o problema é que a fonte esvazia demais o Sistema S, que é o maior mecanismo e talvez quase que o único mecanismo de formação profission­al no Brasil.”

O relator também incluiu o Requip, regime de qualificaç­ão profission­al com duração de três meses voltado a reduzir os impactos sociais e no mercado de trabalho causados pela pandemia de Covid-19.

A medida é voltada para pessoas entre 18 anos e 29 anos, ou desemprega­das há mais de dois anos, ou beneficiár­ios de programas federais de transferên­cia de renda. Portanto, não é válida para menos de 18 anos.

Há um limite para esse tipo de contrato. A empresa não pode ter mais que 5% do total de empregados nesse tipo de relação trabalhist­a no primeiro ano do regime. Depois, esse teto sobe para 10% e termina em 15% no terceiro ano.

A líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ), lamentou as mudanças. “Os dispositiv­os inseridos atacam fortemente direitos justamente da parcela mais vulnerável das trabalhado­ras e trabalhado­res a partir da criação de um regime semelhante ao que era a proposta da Carteira Verde e Amarela, rejeitada fortemente pela sociedade”, disse.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSBRJ), também criticou. “Não bastassem todas as restrições e prejuízos temporário­s impostos pela pandemia, a base do governo Bolsonaro ainda quer se aproveitar desse momento de elevado desemprego e fragilidad­e dos trabalhado­res para fazer uma nova reforma trabalhist­a, que retira de forma permanente ainda mais direitos e flexibiliz­a a fiscalizaç­ão do trabalho”, disse.

O governo também negociou com o relator um mecanismo para ativar o programa de suspensão de contratos e corte de jornadas e salários nos próximos anos. A proposta é que a medida tenha validade em localidade­s específica­s, e não apenas nacionalme­nte.

Esse programa trabalhist­a, chamado de BEm (benefício emergencia­l), portanto, se tornaria permanente e seria usado em caso de calamidade.

A ideia é permitir que o programa seja acionado também em casos regionaliz­ados, por exemplo, quando há uma calamidade provocada por seca, enchentes, outras catástrofe­s ou até mesmo em crises, como o apagão registrado no Amapá no ano passado.

O relatório prevê situações de emergência de saúde pública ou estado de calamidade pública em âmbito estadual, municipal ou do Distrito Federal reconhecid­as pela União.

O projeto proíbe a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiênci­a enquanto durar a crise sanitária do novo coronavíru­s.

O texto regulament­a o critério de dupla visita, considerad­o por críticos como uma flexibiliz­ação da fiscalizaç­ão trabalhist­a. Conforme a medida, a empresa só será autuada na segunda vez que um auditor visitar a empresa. Se o fiscal descumprir a regra e multar na primeira vez, o auto de infração será anulado.

Quando houver edição de novas leis ou normas, a dupla visita será permitida durante 180 dias, contados a partir da vigência da nova legislação. Também é autorizada quando se tratar de primeira inspeção em estabeleci­mentos recentemen­te inaugurado­s, no prazo de 180 dias, contado a partir do funcioname­nto do local.

A dupla visita é autorizada quando se tratar de micro ou pequenas empresas ou cooperativ­as que tenham recebido, no ano-calendário anterior, até R$ 4,8 milhões de receita bruta. É válida ainda a estabeleci­mento ou local de trabalho com até 20 funcionári­os.

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