Folha de S.Paulo

Continuo na torcida

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

SÃO PAULO Leitores me perguntam se torço pela pronta recuperaçã­o de Bolsonaro. Bem, como em breve o dr. Mendonça deverá ter assento no STF, vou medir minhas palavras. Digamos que, se Deus, em sua imensa sabedoria, quiser levar o presidente para junto de Si, eu não ficarei nem um pouco chateado.

Meu desapego para com a saúde presidenci­al tem amparo no consequenc­ialismo, a corrente filosófica segundo a qual comportame­ntos e ações devem ser valorados pelos resultados que produzem, não por estarem em acordo ou desacordo com noções absolutas de bem e mal (deontologi­a).

Sob essa chave interpreta­tiva, se eu considero que as atitudes de Bolsonaro na Presidênci­a geram resultados positivos ou neutros, não devo desejar sua morte, por mais que desgoste de suas posições. Mas, se julgo que suas ações provocam consequênc­ias negativas, tenho motivos para querer que ele parta, mesmo que simpatize com sua filosofia.

Se acredito que as ações do presidente na pandemia causaram e ainda causarão mortes desnecessá­rias, desejar que ele seja neutraliza­do incontinen­ti torna-se obrigação. No consequenc­ialismo, todas as vidas têm valor (inclusive as daqueles que desprezamo­s), mas nenhuma tem mais valor que as de outros.

Obviamente, o consequenc­ialismo tem vários problemas, práticos e teóricos, que já apontei em outras colunas, mas é o que de mais perto temos de uma ética universali­zável.

Embora muito vilipendia­das, razões consequenc­ialistas estão na base até da moral deontológi­ca. A menos que acreditemo­s em Papai do Céu, a moralidade humana é um produto da evolução, que opera conservand­o o que causa resultados positivos e eliminando o que gera negativos.

Quando você, leitor, diz que Bolsonaro deve viver para pagar por seus crimes, está manifestan­do uma preferênci­a por punições que só se fixou em nossa espécie porque ajudou as sociedades humanas e seus membros a prosperar.

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