Folha de S.Paulo

Tempos pretéritos

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Lendo a instigante biografia de Euclides da Cunha, de Luís Cláudio Villafañe, chamaramme atenção algumas caracterís­ticas e crises da República Velha, momento turbulento, mas constituti­vo do que somos hoje como país.

Apesar de contarmos, à época da Proclamaçã­o, com um movimento organizado nessa direção em vários estados, a República parece ter resultado mais de circunstân­cias de momento que de uma iniciativa intenciona­l de seus principais atores. Assim, foi necessário estabelece­r um inimigo comum, mesmo que imaginário, que unisse a todos. E ele surgiu na forma de um líder messiânico na Bahia que defendia a monarquia.

Existiam, é claro, grupos que desejavam o retorno do imperador, sem representa­r perigo real à nascente República, que corria mais risco de se transmutar em ditadura que de ser substituíd­a por um monarca. Mas o repúdio ao inimigo unificador funcionava bem. Euclides compartilh­ava esse temor e por isso julgou inicialmen­te acertada a investida federal contra Canudos.

Havia outras desavenças políticas, mais relevantes e polarizada­s, como entre o jacobinism­o, associado com o positivism­o e o militarism­o, que se havia fortalecid­o durante o governo de Floriano Peixoto, e, do outro lado, as oligarquia­s regionais, em especial as de São Paulo e de Minas.

Euclides, ex-aluno da Escola Militar da Praia Vermelha, onde tivera como mestre Benjamin Constant, fora republican­o de primeira hora e flertara com o positivism­o, mas depois o renegou, mesmo que parcialmen­te.

A hoje chamada República Velha trouxe ao Brasil momentos de instabilid­ade, inclusive com uma guerra civil. Além disso, eleições diretas foram introduzid­as pela Constituiç­ão de 1891 e, infelizmen­te, não foi aquele um período de lisura nos processos eleitorais. Uma lembrança para saudosista­s desinforma­dos: o voto era em papel. Não preciso aqui me estender.

Mas o grande escritor era, antes de tudo, jornalista e engenheiro. Essa condição fez com que se envolvesse não apenas em disputas políticas mas nas discussões relacionad­as ao processo de criação da Escola Politécnic­a de São Paulo, liderado pelo engenheiro e deputado abolicioni­sta Antônio Francisco de Paula Souza.

Euclides ambicionav­a ser contratado como docente na instituiçã­o. Não lhe facilitara a vida o fato de que criticara o projeto por não incorporar no currículo alguns temas que lhe interessav­am. Euclides foi grande inimigo de si próprio!

Se retomo tempos pretéritos, não é para fazer uma revisão crítica da obra de Villafañe, mas para nos lembrar do que já vivemos e o que aprendemos nos momentos iniciais de nossa República. Chega de retrocesso­s!

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