Folha de S.Paulo

Bolsonaro, vivo —e candidato

- Ruy Castro

RIO DE JANEIRO É obsceno como Jair Bolsonaro consegue corromper até a misericórd­ia que poderia despertar por seu estado. Sua foto no hospital, exposto, de ventre estufado e todo plugado a ventosas, desfila entre seus seguidores como pôster de campanha, ilustrando um discurso ostensivam­ente político. Nele, com Deus e a democracia reduzidos a cabos eleitorais, Bolsonaro proclama que salvará o Brasil da volta de Lula e do PT.

Pois Bolsonaro pode contar com o apoio e até reza brava de certo eleitor por sua saúde: o citado Lula. Exceto o próprio Bolsonaro, ninguém mais do que Lula quer ver Bolsonaro em 2022, e vice-versa. Um sem o outro derrete. Daí Bolsonaro repisa a corrupção do PT para esconder a de seu governo. Já Lula silencia quanto à corrupção de Bolsonaro para que o vento não a atire de volta contra si. Abstém-se até de uma acusação que Bolsonaro nunca poderia devolver-lhe: a de comandar um governo assassino. Lula precisa de Bolsonaro vivo —e candidato.

O país, se consultado, talvez opinasse diferente quanto ao primeiro quesito, o que anularia o segundo. Naturalmen­te, é uma pergunta que os institutos de opinião não podem fazer, por mais que Bolsonaro a estimule ao bravatear do fundo de seu leito na UTI e do alto de 59% de rejeição.

O futuro ministro do STF André Mendonça, em sua recente encarnação como ministro da Justiça, tentou enquadrar na Lei de Segurança Nacional jornalista­s que, há alguns meses, desejaram a Bolsonaro morte rápida e indolor ou, no meu caso, sugeriram ao presidente que cometesse o tresloucad­o gesto.

Se ainda no cargo, seria encantador ver André Mendonça fazer isso com os milhares de internauta­s que estão trocando escatologi­as sobre a saúde de Bolsonaro, envolvendo fezes, hemorróida­s, intestino preso, nó nas tripas e até clister de pimenta, e usando aquele verbo que ele, Bolsonaro, transformo­u em seu programa de governo.

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