Folha de S.Paulo

Dezenas de magistrado­s e advogados são citados em delação de desembarga­dora

Investigad­a na Operação Faroeste, Sandra Inês Rusciolell­i teve colaboraçã­o validada pelo STJ

- José Marques

Mais de um ano e meio após a deflagraçã­o da primeira fase da maior operação sobre vendas de decisões judiciais do Brasil, a Faroeste, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Og Fernandes deu aval à primeira delação premiada de uma desembarga­dora do país, com menções a 68 pessoas.

Homologada no mês passado, a colaboraçã­o da desembarga­dora afastada Sandra Inês Rusciolell­i, do Tribunal de Justiça da Bahia, e de seu filho Vasco Rusciolell­i tem atiçado ânimos de investigad­os e relacionad­os à Operação Faroeste desde que ela foi presa, em março do ano passado.

Em setembro de 2020, ambos foram para prisão domiciliar com uso de tornozelei­ra eletrônica.

A colaboraçã­o da desembarga­dora tem, ao todo, 39 anexos. Entre os citados, segundo a Folha apurou com pessoas que têm conhecimen­to da investigaç­ão, estão 12 desembarga­dores do TJ-BA (incluindo uma já aposentada) e 12 juízes. Três desses desembarga­dores ainda não haviam sido citados anteriorme­nte na investigaç­ão da Faroeste.

Além disso, são mencionado­s 15 advogados e 16 funcionári­os do TJ-BA. Há ainda mais de uma dezena de filhos e parentes de magistrado­s e de investigad­os que participar­am, segundo a delação premiada, de alguma das situações relatadas na colaboraçã­o.

Os delatores também citam ao menos um político com mandato no Congresso, empresário­s e agentes públicos como o ex-secretário de Segurança Pública da Bahia, o delegado da Polícia Federal Maurício Teles Barbosa.

Um trecho da delação que cita Teles Barbosa já estava na última denúncia da operação, que o acusa de integrar organizaçã­o criminosa.

Não necessaria­mente Sandra e Vasco tinham participaç­ão em todos os eventos relatados. A maioria dos anexos envolve Vasco, que é formado em direito e admite ter atuado na negociação de venda de decisões. Além de benefícios em uma eventual pena, ambos terão que entregar milhões de reais à Justiça.

Parte da delação se dedica a esclarecer como foi formado um suposto esquema que envolvia o pagamento de propinas para decisões judiciais relativas a terras do oeste baiano, região conhecida por ser um polo de agronegóci­o, quais os seus integrante­s e seu modus operandi.

O ponto de partida para a Faroeste foram suspeitas de favorecime­nto judicial à grilagem em uma área de 366 mil hectares no extremo oeste do estado, próximo à divisa com o Piauí —por isso o nome da operação. O terreno tem cinco vezes o tamanho de Salvador.

Depois, descobriu-se que a área objeto de decisões supostamen­te compradas era próxima de 800 mil hectares. Como desde o início envolveu suspeita sobre desembarga­dores, que têm foro especial, a operação tramita no STJ.

Um dos interessad­os nesse terreno era o empresário Adailton Maturino, conhecido como “falso cônsul”, que está preso preventiva­mente.

Em um dos despachos sobre o caso, o ministro do STJ descreve que foi descoberta “uma teia de corrupção, com organizaçã­o criminosa formada por desembarga­dores, magistrado­s e servidores do TJBA [Tribunal de Justiça da Bahia], bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do referido estado”.

Sandra Inês foi presa após uma ação controlada da Polícia Federal no ano passado, que apontava registros de Vasco Rusciolell­i recebendo R$ 250 mil para a desembarga­dora dar decisão favorável a uma empresa.

A ação foi baseada em denúncias do primeiro delator da operação, o advogado Júlio César Cavalcanti Ferreira, que se especializ­ou em negociar decisões judiciais.

Mãe e filho foram acusados de corrupção e lavagem de dinheiro e de integrar organizaçã­o criminosa. Segundo o Ministério Público Federal, os dois negociaram propinas de R$ 4 milhões e receberam, efetivamen­te, R$ 2,4 milhões.

O processo está suspenso a pedido do Ministério Público, e eles não chegaram nem a se tornar réus nesse caso.

A intenção de firmar uma colaboraçã­o já existia mesmo antes da prisão, segundo o advogado dos dois, Pedro Henrique Duarte. Procurado, ele diz que seus clientes “trouxeram à tona uma dinâmica não somente de fatos relacionad­os à Faroeste, mas também de outros fatos tantos”.

Duarte diz que não pode descrever os fatos devido aos sigilos da colaboraçã­o e de seus anexos, mas diz que “o peso maior que ela [Sandra] carrega nas costas não é o fato de ser a primeira desembarga­dora [a fazer uma colaboraçã­o], mas sim de quebrar um tabu de que o Judiciário é uma caixa preta”, diz ele.

“Você não tem noção do conflito que é para ela ter prestado um juramento e ter que trazer mazelas de alguns poucos colegas à tona.”

No ano passado, no auge das especulaçõ­es sobre a delação de Sandra Inês, um documento passou a circular em grupos de WhatsApp com o suposto teor da proposta de colaboraçã­o —a defesa diz que não tem nenhuma relação com ele e chama o documento de “delação fake news”.

Isso gerou uma corrida na Justiça de pessoas mencionada­s no documento para tentarem descobrir a íntegra da suposta proposta de colaboraçã­o ou de se colocarem à disposição para eventuais esclarecim­entos. Uma das petições foi feita pela defesa dos advogados Bruno Adry e Isabela Suarez, de 25 de agosto.

O advogado dos dois, Luiz Augusto Coutinho, tinha uma banca de advocacia junto com o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, antes de ele ocupar o cargo. A Faroeste é comandada por uma das mais fiéis aliadas de Aras, a subprocura­dora-geral da República Lindôra Araújo.

A advogada Isabela é filha de um dos fundadores da empreiteir­a OAS, Carlos Suarez, que é citado por Sandra Inês em grampos feitos por Júlio Cavalcanti.

Desde o início da Operação Faroeste, cuja primeira fase foi em novembro de 2019, outras três desembarga­doras além de Sandra Inês foram presas preventiva­mente: a ex-presidente do TJ-BA Maria do Socorro Barreto Santiago e as magistrada­s Ilona Reis e Ligia Cunha. Todas elas estão afastadas das suas atividades no tribunal.

No último mês, Og Fernandes decidiu libertar todas elas, com a ressalva de que não podem sair da cidade de residência, se comunicar com outros investigad­os e devem usar tornozelei­ra eletrônica.

Além da delação de Sandra Inês e de Júlio, há mais outras duas colaboraçõ­es feitas no âmbito da Operação Faroeste, do produtor rural Nelson Vigolo e do advogado Vanderlei Chilante.

Advogado de Maurício Barbosa, Sérgio Habib diz que ele não tinha nenhuma relação com irregulari­dades. Procurado, Luiz Augusto Coutinho, que represento­u Isabela e Adry, não retornou ao contato da reportagem.

“O peso maior que ela [Sandra] carrega nas costas não é o fato de ser a primeira desembarga­dora [a fazer uma colaboraçã­o], mas sim de quebrar um tabu de que o Judiciário é uma caixa preta. Você não tem noção do conflito que é para ela ter prestado um juramento e ter que trazer mazelas de alguns poucos colegas à tona Pedro Henrique Duarte advogado da desembarga­dora afastada do Tribunal de Justiça da Bahia Sandra Inês Rusciolell­i

 ?? Divulgação Tribunal de Justiça da Bahia ?? A desembarga­dora afastada do TJ-BA Sandra Inês Rusciolell­i
Divulgação Tribunal de Justiça da Bahia A desembarga­dora afastada do TJ-BA Sandra Inês Rusciolell­i

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