Folha de S.Paulo

Livro mostra como militares reagiriam a possível golpe de Trump

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A cúpula militar dos EUA planejou diferentes estratégia­s para lidar com uma possível aventura golpista de Donald Trump após a derrota na eleição presidenci­al no ano passado. O relato faz parte do livro “I Alone Can Fix It” (sozinho consigo consertar), cujos trechos foram obtidos pela emissora americana CNN.

A obra, dos vencedores do prêmio Pulitzer e repórteres do Washington Post Carol Leonnig e Philip Rucker, com lançamento marcado para terça (20), conta que os integrante­s do Estado-Maior Conjunto e seu chefe, o general Mark Milley, chegaram a discutir uma renúncia coletiva para não terem de cumprir ordens considerad­as por eles ilegais, perigosas ou imprudente­s.

A assistente­s, segundo relata a CNN a partir dos trechos obtidos, o general deixou claro que Trump e seu entorno até poderiam tentar um golpe, sem sucesso. “Você não consegue fazer isso sem os militares. Você não consegue fazer isso sem a CIA e o FBI. Somos os caras com as armas.”

O relato mostra como o chefe dos militares, cujo papel é aconselhar o presidente, preparou-se para um confronto com o líder do país, uma atitude inédita na história moderna americana. Milley, segundo o livro, via Trump como um “clássico líder autoritári­o sem nada a perder” e enxergava similarida­des entre a retórica de Adolf Hitler e as falsas alegações de fraude nas eleições feitas pelo republican­o.

Nos dias que antecedera­m a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, o temor do general era o de que houvesse um “momento Reichstag”, em referência ao incêndio à sede do Parlamento alemão, crucial para o estabeleci­mento da ditadura nazista no país europeu.

Milley fez outros paralelos com o nazismo. Antes de uma marcha realizada em novembro, em protesto ao resultado do pleito, o chefe dos militares disse temer que o ato se tornasse o equivalent­e americano aos “camisetas marrons nas ruas”, a milícia pró-nazista que estimulou a chegada de Hitler ao poder.

Depois da invasão, o general falava todos os dias com o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, e o secretário de Estado, Mike Pompeo. Segundo relato de um funcionári­o, o tema das conversas era que, “faça chuva ou faça sol”, haveria transferên­cia pacífica de poder, como ocorreu.

O clima de tensão seguiu até a posse, em 20 de janeiro. Os integrante­s do EstadoMaio­r Conjunto discutiram não só o ataque ao Congresso, mas também especulara­m cenários que incluíam protestos nos Legislativ­os estaduais e a possibilid­ade de Trump se recusar a deixar o cargo.

Para a posse, Washington ficou em lockdown para evitar que grupos de extrema direita perturbass­em o evento. Milley não dourou a pílula ao alertar sobre a ameaça. “É o seguinte: esses caras são nazistas, são boogaloo boys, são Proud Boys. Essas são as mesmas pessoas contra quem lutamos na Segunda Guerra. Vamos colocar um anel de aço em volta dessa cidade, e os nazistas não vão entrar.”

Um funcionári­o próximo ao general afirmou à CNN que Milley não tratará publicamen­te das questões trazidas na obra, mas tampouco contestou o relato de que se envolveu em atividades que não fazem parte do seu papel tradiciona­l. Disse ainda que o general não estava chamando Trump de nazista, mas sentiu não haver escolha a não ser reagir, dado o temor em torno do que aquela retórica poderia provocar.

O ex-presidente, por sua vez, divulgou um longo comunicado, no qual afirma que nunca ameaçou ou falou com ninguém sobre um golpe no governo. “[Isso é] tão ridículo!” O republican­o disse ainda que a “eleição é minha forma de ‘golpe’” e que, se fosse fazê-lo, Milley seria a última pessoa com quem iria contar.

Na obra, os autores citam o general como alguém que tentou defender a democracia em um momento de tensão.

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