Folha de S.Paulo

Impacto fiscal de nova versão da reforma do IR preocupa especialis­tas

Texto do relator alivia imposto para empresas, mas deve deixar rombo de R$ 30 bi; retomada da atividade compensa redução, avalia governo

- Douglas Gavras

A previsão de perda de arrecadaçã­o com a reforma que altera o Imposto de Renda ligou um sinal de alerta entre economista­s preocupado­s com a sustentabi­lidade das contas públicas.

O texto preliminar apresentad­o pelo relator, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), a líderes na Câmara na terçafeira (13) prevê um corte de 12,5 pontos percentuai­s na tributação sobre empresas —acima do que foi apresentad­o anteriorme­nte, pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).

A proposta original propunha uma redução da alíquota do IR de empresas dos atuais 15% para 10%, com escaloname­nto de 2,5 pontos percentuai­s no primeiro ano e mais 2,5 pontos no segundo ano.

A versão preliminar do relator alivia o IR para empresas, mas deve deixar um rombo de R$ 30 bilhões nas contas públicas. Segundo ele, a perda será compensada pelo aumento de arrecadaçã­o com a retomada da economia.

A estimativa do governo é que a renúncia seja compensada pela retomada da atividade, mas isso é arriscado, afirma Juliana Damasceno, economista e pesquisado­ra de finanças públicas do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).

“A questão é que a gente já viu que as renúncias fiscais não são necessaria­mente compensada­s depois”, diz.

Ela acrescenta que já era dado que a proposta original do governo seria revisada, mas que prever um rombo de R$ 30 bilhões nas contas pode renovar no futuro a vontade de criar impostos nos moldes da extinta CPMF, como o governo já defendeu.

Qualquer mudança que venha a reduzir a arrecadaçã­o é perigosa agora, avalia Guilherme Tinoco, especialis­ta em finanças públicas e assessor especial na Secretaria da Fazenda de São Paulo. Ele lembra, no entanto, que as estimativa­s do relator ainda precisam ser detalhadas.

A previsão é perigosa pelo volume e pela incerteza que gera para os próximos anos, diz. “A revisão pesa a mão no corte para o IR de pessoa jurídica. Não é hora de reduzir a carga tributária, e o país ainda não tem nem horizonte de voltar a ter superávit primário.”

O resultado primário aponta a capacidade que o governo tem de pagar as contas, excluindo os encargos da dívida pública. Se as receitas são maiores que as despesas, há superavit. Caso contrário, há deficit. O país fechou 2020 com um rombo fiscal de R$ 743,1 bilhões e o resultado é negativo desde 2014.

Na terceira queda seguida, a dívida bruta do governo chegou a 84,5% do PIB em maio, uma queda de 1,1 ponto percentual ante o mês anterior, segundo o Banco Central. Os economista­s projetam que a dívida encerre o ano em 83,2% do PIB e volte a crescer nos anos seguintes, chegando a 87,5% em 2025.

“A dívida pública é preocupant­e, mas a trajetória recente era de alívio. Há poucos meses, todo o mundo o esperava que fosse fechar em 90% do PIB, e hoje está perto de 80%”, avalia Tinoco. Ainda é uma dívida alta e a situação, como um todo, é frágil, diz.

Na visão dos analistas ouvidos pela Folha, o governo parece ter pesado a mão na tributação de empresas na proposta original, para sentir como seriam as reações dos empresário­s e agentes do mercado.

“O desenho original da reforma tinha cheiro de aumento de carga tributária e havia um desbalance­amento entre a redução de imposto para PJ e a cobrança na distribuiç­ão para sócios”, diz o especialis­ta em contas públicas da Tendências, Fabio Klein.

Ficou melhor do ponto de vista de evitar o encarecime­nto para o setor produtivo, mas é uma perda importante, diz o economista. “É muita perda para um país que continua em deficit primário, que só deve virar um superávit em 2026.”

Ao mesmo tempo, dadas a velocidade e a profundida­de das primeiras mudanças no texto, as críticas parecem ter sido maiores que o esperado.

“O governo tem um padrão de divulgar propostas para ver a reação do mercado e foi exatamente o que aconteceu agora. Mas não estamos no momento de abrir mão de arrecadaçã­o”, diz Damasceno.

O coordenado­r do Centro de Estudos do Novo Desenvolvi­mentismo da FGV AESP, Nelson Marconi, havia dito que a proposta vai na direção contrária ao discurso de equilíbrio fiscal. “Está na cara que vai piorar a situação fiscal”, afirmou o economista.

A questão é que a gente já viu que as renúncias fiscais não são necessaria­mente compensada­s depois

Juliana Damasceno economista e pesquisado­ra de finanças públicas do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil