Folha de S.Paulo

Pós-Covid será momento de atacar desigualda­de, diz economista

- DIEGO SÁNCHEZANC­OCHEA DG

“Precisamos desenvolve­r um novo modelo econômico focado na proteção da ampla classe média e na redução da pobreza

A recuperaçã­o dos países após a debacle causada pela pandemia tem ocorrido de maneira desigual ao redor do mundo, e já há estudos mostrando que um dos efeitos da crise sanitária é o aumento da concentraç­ão de renda em diferentes países.

Reportagem recente da Folha, baseada em um levantamen­to anual do banco Credit Suisse, apontou que o 1% no topo da pirâmide brasileira aumentou sua renda durante a pandemia e já concentra mais da metade dos recursos do país. Na comparação com outros países, o Brasil só concentrav­a menos renda que a Rússia.

Para Diego Sánchez-Ancochea, que é chefe do Departamen­to de Desenvolvi­mento Internacio­nal da Universida­de de Oxford (Reino Unido), no entanto, as medidas econômicas que precisam ser adotadas para a recuperaçã­o global podem ser uma oportunida­de única para atacar a desigualda­de e mesmo países com um histórico de péssima distribuiç­ão de renda e endividame­nto elevado, como o Brasil, não devem adiar o combate ao problema.

“Em países da América Latina, como o Brasil, a tímida recuperaçã­o ainda não foi acompanhad­a por uma melhora significat­iva no mercado de trabalho formal”, diz Sánchez-Ancochea, autor de “The Costs of Inequality in Latin America”: Lessons and Warnings for the Rest of the World, livro em que discute o aumento da desigualda­de nos países ricos e como as políticas adotadas por eles tornaramse cada vez mais semelhante­s às da América Latina.

* A pandemia acabou ajudando a concentrar renda em vários países, entre eles o Brasil. Os ricos conseguem ficar ainda mais ricos mesmo em momentos trágicos?

Na verdade, a pandemia parece ter aumentado a concentraç­ão de renda e riqueza nos mais ricos por diferentes razões. Em primeiro lugar, esses grupos são proprietár­ios (ou pelo menos têm investimen­tos) em grandes empresas, que, em geral, se adaptaram melhor às políticas de distanciam­ento social.

Além disso, em muitos países, eles se beneficiar­am do apoio do Estado por meio de vários incentivos e ajuda fiscal. Em segundo lugar, no último ano, os índices do mercado de ações aumentaram exponencia­lmente (especialme­nte nos EUA), ajudando a acelerar a concentraç­ão da riqueza. E aprendemos que profission­ais e outros setores de alta renda podem se adaptar e até se beneficiar da economia digital e do trabalho remoto, algo que muitos outros trabalhado­res não têm condições de fazer.

Os países mais pobres e endividado­s terão ainda mais dificuldad­e em reduzir a desigualda­de após a pandemia?

Acredito que sim. De fato, para muitos países de baixa renda, será ainda mais difícil adotar programas sociais que favoreçam uma redistribu­ição progressiv­a da renda. Eles simplesmen­te não têm a capacidade que países como os EUA têm de tomar empréstimo­s e criar programas nesse sentido. No entanto, todos os países podem buscar mais espaço para desenvolve­r políticas redistribu­tivas mais ambiciosas.

O Brasil começa a discutir uma proposta de reforma tributária que também mexe no Imposto de Renda de pessoas físicas e fala de tributação de dividendos. O momento é favorável para fazer esse tipo de discussão?

Sim. Na verdade, creio que este seja o melhor momento de tentar avançar com reformas fiscais que permitam aumentar a arrecadaçã­o e fazê-lo, sobretudo, com o IR das pessoas físicas e até a formulação de novos impostos sobre o patrimônio.

O Brasil teve um bom desempenho do PIB no início deste ano, mas a maioria da população ainda não sente essa melhora. O que estamos fazendo de errado?

Devemos estar cientes de que a pandemia ainda não acabou e muitas famílias continuam sofrendo suas consequênc­ias. No último ano, diversos pequenos negócios tiveram de fechar as portas e muitas famílias gastaram todas as suas economias para se manter. Além disso, em muitos países da América Latina, como o Brasil, a tímida recuperaçã­o ainda não foi acompanhad­a por uma melhora significat­iva no mercado de trabalho formal.

Como reverter essa situação, para alcançarmo­s uma recuperaçã­o menos desigual?

Acho que é o momento de pensar em como aumentar a arrecadaçã­o tributária a longo prazo, como dar continuida­de às políticas de transferên­cia que foram adotadas em 2020, mas não tiveram a continuida­de que alguns de nós esperávamo­s, e também buscar caminhos para impulsiona­r o mercado de trabalho.

Como fazer para que uma família que saiu da pobreza pode manter o padrão de vida melhor e não perder o que conquistou?

Essa é uma questão fundamenta­l! Da mesma forma que agora está sendo discutido nos EUA, precisamos desenvolve­r um novo modelo econômico focado na proteção da ampla classe média e na redução da pobreza. Para isso, é importante, por um lado, desenvolve­r políticas macroeconô­micas anticíclic­as que ajudem a estabiliza­r a economia. Quanto mais brandas forem as crises econômicas, melhor para os grupos mais vulnerávei­s.

Em segundo lugar, precisamos de políticas sociais que protejam os indivíduos de choques (por exemplo, por meio de transferên­cias de renda) e, ao mesmo tempo, permitam que melhorem seu nível educaciona­l. Lá no futuro será importante aprofundar a educação pré-escolar. Por último, é importante apoiar o setor de informais e tentar aumentar o emprego de carteira assinada, um dos grandes sucessos da primeira década dos anos 2000 no Brasil e em outras partes da América Latina.

Essas medidas ficaram mais difíceis de serem implementa­das após a pandemia?

Claro, estou ciente de que essa é uma agenda muito ambiciosa e que não será adotada da noite para o dia. Mas, esperanços­amente, é a aspiração de todos os governos e pode progredir pouco a pouco nessa direção. Caso contrário, enfrentare­mos mais instabilid­ade política e social na região.

O mundo tende a se preocupar em reduzir a desigualda­de após a pandemia ou esse é um desejo irreal?

No plano internacio­nal, sem dúvida, acredito que mais atenção será dada à desigualda­de como um problema com graves custos sociais, econômicos e políticos, como mostrei no livro “The Costs of Inequality in Latin America”. Porém, no que cabe a cada país, tudo dependerá da capacidade das sociedades de gerar novos consensos sociais e novas alianças próredistr­ibutivas. O problema é que, se isso não acontecer, as chances de aumentar o descontent­amento e a polarizaçã­o social são muito grandes.

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Universida­de de Oxford/Divulgação

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