Folha de S.Paulo

Quatro sugestões sobre IR

Congresso pode fazer boa proposta com limonada do fisco e a salada gourmet do relator

- Nelson Barbosa Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

O relator da reforma do Imposto de Renda apresentou suas sugestões, com boas e más notícias.

Do lado bom, estão mantidos o fim da dedução de juros sobre capital próprio ( JCP) no cálculo de IR e o retorno da tributação de lucros distribuíd­os, em 20%.

As duas medidas corrigem erros do governo Fernando Henrique, que promoveu grande desoneraçã­o do capital para atrair recursos externos e sustentar a âncora cambial. A âncora cambial acabou em 1999, mas as jabuticaba­s tributária­s sobrevivem até hoje.

Acabar com o atual benefício tributário do JCP (que paga 15%, em vez da alíquota geral 34% sobre lucros) e voltar a tributar dividendos está em linha com as melhores práticas internacio­nais e deveria ter acontecido há algum tempo.

Os governos do PT discutiram o tema pelo menos três vezes, mas não avançamos devido a restrições políticas. Agora, como “somente Nixon poderia ter ido a China”, coube a Guedes corrigir os erros tucanos.

Ponto para Guedes.

Onde está o problema? O projeto da Receita começou com a gordura usual, reduzindo apenas cinco pontos de IR sobre lucro retido em troca de mais 20 pontos sobre lucro distribuíd­o.

Como apontei há duas semanas, consideran­do a alíquota de 9% de CSLL, o adicional de 10% de IR e a distribuiç­ão total dos lucros que excederem R$ 20 mil por mês, o resultado da proposta da Receita será uma alíquota efetiva de 43,2% (29% + 20% de 71%).

Houve grande chiadeira, o governo sinalizou espaço para negociação e o relator do projeto na Câmara resolveu mergulhar com a desoneraçã­o do lucro retido. Quanto? 12,5 pontos!

Na proposta do relator, a alíquota efetiva sobre o lucro que exceder R$ 20 mil por mês cairá para 37,2% (21,5% + 20% de 78,5%). O valor é maior do que os 34% atuais, mas precisamos levar em conta a tributação mais baixa sobre os primeiros R$ 20 mil de lucro mensal em micro e pequenas empresas, que pagariam apenas 2,5% de IR, ante 15% atualmente.

Traduzindo do economês, o relator propôs uma megadesone­ração da alta classe média, profission­ais de alta renda que prestam serviços via pessoa jurídica, grupo que não precisa de incentivo no Brasil de hoje.

Como alternativ­a, faço quatro sugestões aos congressis­tas.

Primeiro: em vez dos 5 pontos da Receita e dos 12,5 pontos do relator, redução da tributação sobre lucro retido em 10 pontos, a ser compensada com aplicação do adicional de 10% de IR sobre todo o lucro, não só a partir de R$ 20 mil por mês.

Segundo: elevação da alíquota de IR sobre JCP para 20%, alinhando a tributação ao que será cobrado sobre dividendos, que também não deve ter faixa de isenção de R$ 20 mil por mês.

Terceiro: manutenção da simplifica­ção do IR retido sobre aplicações financeira­s, mas com alíquota de 20%, em vez dos 15% propostos pelo governo e, prepare-se... fim da tributação periódica (come-cotas). O tributo incidiria apenas no resgate ou na realização do ganho, acabando com mais uma jaboticaba. Como isso gera perda de receita, a alíquota tem que ser maior, daí os 20%.

Quarto: dado que o governo brasileiro corretamen­te apoiou a proposta do G20 de alíquota mundial mínima de 15% sobre lucros de grandes empresas, sugiro colocar isso no projeto de lei em discussão no Congresso. Especifica­mente, sugiro que, após desoneraçõ­es, créditos e outros benefícios tributário­s, nenhuma empresa pague menos do que 15% de tributo direto (9% de CSLL e 6% de IRPJ) sobre seu lucro retido.

Como sou otimista, ainda acho que o Congresso pode fazer uma boa proposta com a limonada da Receita e a salada gourmet do relator.

| dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Michael França, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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