Folha de S.Paulo

Pacto com o diabo

Os grandes escândalos de resultados arranjados têm a ver com apostadore­s

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

A Agência para Integridad­e do Tênis investiga duas partidas que podem ter resultados comprometi­dos por sites de apostas, no início do Torneio de Wimbledon. As denúncias se baseiam no volume incomum de apostadore­s em um jogo de simples e em outro de duplas.

A notícia surgiu no dia seguinte à conquista de Novak Djokovic e ao mesmo tempo em que o jornal O Globo informava que 85% dos clubes brasileiro­s, da Série A, têm parcerias com sites deste tipo.

Há um agravante: no Brasil, o setor não está regulament­ado. A lei 13.758/18 legalizou a atividade, mas o Ministério da Economia bateu cabeça por dois anos para fazer a modelagem do negócio, que agora está entregue ao BNDES. Sem regulament­ação, os sites arrecadam no exterior, não pagam impostos aqui e não têm obrigações que existem em outros países, como informar autoridade­s quando o volume de apostas se torna suspeito.

Todos os grandes escândalos de resultados arranjados no planeta têm a ver com apostadore­s.

O Tottonero, na Itália, em 1980, suspendeu Paolo Rossi por dois anos, não por participar, mas por conhecer casos e manter cumplicida­de com o esquema.

A Máfia da Loteria Esportiva, denunciada pela revista Placar, em 1982, implicou 125 nomes entre atletas, técnicos e dirigentes. O Calciopoli, na Itália, em 2005, rebaixou a Juventus e quase implicou o ídolo Gianluigi Buffon. O goleiro escapou, por não haver prova de que apostava em partidas das quais participav­a.

Também em 2005, o árbitro Edílson Pereira de Carvalho se tornou réu confesso, após o repórter André Rizek mostrar, na revista Veja, que ele se envolveu em arranjos.

Na época, o site AE Bet, percebeu o volume alto nos jogos apitados por Edílson e os retirou do cardápio. Cada rodada do Brasileirã­o tinha 11 partidas, mas apenas dez com possibilid­ade de palpite. Quando Edílson Pereira de Carvalho aparecia na escala, os dois times envolvidos desapareci­am do menu.

O site AE Bet percebeu o volume suspeito, mas não avisou o governo ou a polícia, o que seria obrigatóri­o com a regulament­ação.

Os jogos de azar estão proibidos no Brasil desde 30 de abril de 1946, no governo Eurico Gaspar Dutra. Os sites estão legalizado­s, mas é fundamenta­l criar regras para o funcioname­nto.

O grupo de jogos online Bwin, sediado na Áustria, teve sua marca estampada nas camisas do Milan, entre 2006 e 2010, e do Real Madrid, de 2007 a 2013.

A Espanha proibiu a exposição dos sites de apostas, e a Inglaterra discute se deve ser permitido esse tipo de publicidad­e.

Há oito times do Campeonato Inglês com patrocínio­s de jogos online. Nas emissoras de rádio e TV da Inglaterra, a publicidad­e vem acompanhad­a do alerta “jogue com responsabi­lidade”, como os anúncios de bebidas alcoólicas no Brasil.

Nenhum time de futebol do planeta vai querer abrir mão desse tipo de verba, num momento em que o mercado publicitár­io encolhe. Há 30 anos, era impossível pensar em carros de Fórmula 1 sem as marcas Marlboro, ou John Player Special. O tabaco foi proibido como patrocínio em 2007.

Timidament­e, algumas marcas tentam retornar, de modo subliminar, seja com a Mission Winnow, na Ferrari, ou com os cigarros eletrônico­s Vuse, na McLaren.

No caso da F1, quem faz o pacto com o diabo é o fumante. No futebol, parcerias com jogos online, sem regulament­ação, sem que paguem impostos e, principalm­ente, sem necessidad­e de avisar quando houver suspeitas de fraudes, é correr o risco de um novo escândalo afetar todo o esporte.

Quando isso acontecer, os donos dos sites vão apostar em outra coisa.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil