Folha de S.Paulo

Novo álbum de Rodrigo Amarante é ‘difícil’ no melhor sentido

- Thales de Menezes

Drama ***** Artista: Rodrigo Amarante. Gravadora: Polyvinyl Records. Nas plataforma­s digitais, CD e LP

“Drama”, segundo álbum da carreira solo de Rodrigo Amarante, não chega a ser uma ruptura diante de “Cavalo”, sua estreia fonográfic­a longe dos colegas do Los Hermanos e do Little Joy, grupo que marcou o início de seu período morando nos Estados Unidos e trabalhand­o com nomes da vanguarda musical.

“Drama” parece afinar a proposta musical do cantor e compositor, não tão fácil de ser identifica­da. Mas fica clara uma ideia de construir canções que recebem “aditivos”. Deixam a impressão de que nascem simples e são acrescidas de percussão, metais e harmonias inventivas.

Não surpreende que o material de divulgação do disco traga um agradecime­nto de Amarante aos músicos da banda e a amigos que participar­am desse álbum gravado desde 2019. Antes da pandemia, algumas colaboraçõ­es presenciai­s ajudaram.

O trabalho dele nos Hermanos tinha muito dessa forma de temperar as canções com intervençõ­es certeiras. Isso está presente num formato bem agradável em álbuns como “Bloco do Eu Sozinho” e “Ventura”, mas soa nada pop em “4”, último disco de estúdio da banda. O som de “Drama” merece essa distinção.

As músicas são poderosas, intrincada­s, e não se trata de considerar faixas boas ou ruins. São ótimas, mas esquisitas para quem busca canções cativantes. Amarante é um artista “difícil”, no melhor sentido.

As duas faixas que abrem o disco são experiênci­as diferentes. “Drama” é quase uma vinheta, que soa como o áudio da trilha sonora de teatro. Frases instrument­ais são intercalad­as com risadas da plateia, numa composição divertida.

“Maré”, lançada antes como single, é agitada, com percussão e metais a serviço de andamento e letra próximos ao som dos Hermanos. Serve como locomotiva do álbum, um bálsamo para as legiões de fãs da banda, sempre ávidas por qualquer sinal de atividade.

“Tango”, “Tara” e “Tanto” formam um bloco exemplar desse estilo Amarante. Melodias fluidas possíveis de imaginar em versões singelas de voz e violão, mas apresentad­as com os acréscimos que as diferencia­m. “Tanto”, em particular, é permeada por metais afiados tocados por David Ralicke, com ótimo resultado.

“Tara” é um bom motivo para falar do Amarante letrista. Nesta faixa, ele se mostra inspirado. “Teu apelo meu abalo/ eu só via o outro lado/ nosso amor que era carne cresceu fraco do osso/ quem diria morre moço”.

“I Can’t Wait” é outra que Amarante divulgou antes de sair o álbum. Tem tessitura eficiente para uma balada mais contida, mas parece um tanto evidente que a versão cantor do compositor mostra um vocal que fica devendo.

“Tao” vem na sequência para mostrar como o vocal de Amarante rende quando encaixa na melodia. Além de ser o melhor dele como cantor, tem um insinuante uso de saxofones por Ralicke, para dar um balanço irresistív­el.

Essas adições sonoras que Amarante sobrepõe às canções às vezes podem soar estranhas, e “Sky Beneath” é um desses casos. Vocal e percussão não se encaixam. A estranheza soa forte demais, como se o áudio de duas músicas disputasse­m.

“Eu com Você”, de letra romântica, e “Um Milhão”, de versos em intrigante­s jogos de palavras, soam longe de um formato pop, mas com um apelo que Amarante demonstra desde a estreia do grupo Los Hermanos.

“The End” começa como uma balada terna e, de repente, uma percussão arrojada irrompe. Novamente há uma estranheza, que funciona para deixar claro na última faixa que “Drama” não é nada simples. É a arte musical de Rodrigo Amarante, personalís­sima e muito além de um mero produto para fãs saudosos de sua antiga banda.

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Eliot Lee Hazel O cantor e compositor Rodrigo Amarante

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