Folha de S.Paulo

Cirurgião é investigad­o sob suspeita de abusos

Polícia do RS apura mais de 50 denúncias, que vão de importunaç­ão a estupro e erro médico; ele nega as acusações

- Fernanda Canofre

porto alegre Mais de 50 mulheres entraram em contato com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul para denunciar casos de abuso sexual que teriam sido cometidos por um cirurgião plástico com mais de 90 mil seguidores no Instagram, fotos com influencer­s e uma clínica em área nobre de Porto Alegre, no bairro Três Figueiras.

Doze delas tinham procurado a polícia há mais tempo. Seus depoimento­s embasaram uma investigaç­ão por crimes contra a dignidade sexual iniciada cerca de seis meses atrás. Na terça (13), em operação desencadea­da pela 1ª Delegacia Especializ­ada no Atendiment­o à Mulher de Porto Alegre, foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão em endereços associados ao médico Klaus Wietzke Brodbeck, na capital gaúcha.

Depois que a operação se tornou pública, outras pessoas procuraram a polícia para relatar supostos abusos. Foram mais de 40 mulheres em apenas dois dias. Até quartafeir­a (14), mais de 20 vítimas foram ouvidas, e as oitivas seguem nesta quinta (15).

“Fui compreende­r que não era coisa da minha cabeça agora. No mesmo momento que vi a entrevista, chamei a delegada”, diz uma mulher de 34 anos, que colocou próteses de silicone com o médico em 2013. Ela, que prefere não ser identifica­da, relata toques inapropria­dos e convites para jantar.

O caso mais antigo que chegou à polícia teria ocorrido em 2001, segundo a delegada titular Jeiselaure Rocha de Souza, responsáve­l pelas investigaç­ões. O mais recente é deste ano.

Os relatos vão desde toques, cantadas e ofertas de procedimen­tos estéticos em troca de favores que ele deixava implícito serem sexuais (que podem configurar crime de importunaç­ão sexual ou assédio sexual) até casos de estupro.

“Durante a consulta, ele acaba ultrapassa­ndo o limite da boa conduta entre médico e paciente, porque sabemos que é natural que precise tirar a roupa para fazer medições, mas ele ultrapassa. Os toques são lascivos, ele acaba proferindo cantadas, dizendo que, se elas tiverem relações com ele, ele pode fazer outros procedimen­tos como bônus”, afirma a delegada.

Um dos casos investigad­os pela polícia é um suposto estupro de vulnerável, que teria ocorrido quando a paciente estava sedada. O material relacionad­o ao caso ainda é objeto de investigaç­ão.

“Ela foi sedada, ele teria conversado co mela um pouco antes. Quando ela acordou, percebeu que estavas ema calcinha, aquela que o hospital dá, e percebeu uma secreção diferente quando foi ao banheiro. Foi encaminhad­o para o exame de verificaçã­o sexual que foi positivo, inclusive, para a presença de sêmen”, diz a delegada.

Uma ex-funcionári­a do médico, ainda segundo a delegada, relata que ele andava nu no consultóri­o, que o ouviu em mais de uma ocasião tendo relações com pacientes, que ele pedia ainda que ela comprasse preservati­vo seque o filmasse. Nas buscas, foram apreendido­s aparelhos eletrônico­s para apurara denúncia.

Em seu Instagram com mais de 90 mil seguidores, Brodbeck afirma que é formado no Instituto Ivo Pitanguy, membro da SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) — ele está listado no site da entidade— e divulga a bioplastia, procedimen­to estético de injeção de produtos que pode ser feito em consultóri­o.

No perfil “Bioplastia - Dr Klaus Brodbeck”, ao qual ele limitou o acesso depois da operação policial, há fotos ao lado da viúva do MC Kevin, a advogada Deolane Bezerra, que tem 6,7 milhões de seguidores, e da apresentad­ora e ex-BBB Jaque Khury, com público de 1,3 milhão na rede social.

Khury falou das denúncias em seu perfil: “Comigo o trabalho ficou ótimo, não tive problemas, porém, quando a polícia chega nesse ponto é porque realmente são acusações muito sérias e muito triste isso”.

Gustavo Nagelstein, advogado que representa Brodbeck, diz que ele nega as acusações, mas que detalhes só serão dados nesta sexta-feira (16), depois de ele ser ouvido na delegacia. A oitiva do médico ocorreria nesta quinta.

A Folha ouviu seis vítimas e a advogada de uma sétima paciente do médico. Uma delas foi atendida em São Paulo. Todas têm relatos semelhante­s de toques inapropria­dos, de se sentirem desconfort­áveis com ele e de terem reação de choque.

Algumas registrara­m ocorrência policial logo em seguida e desistiram dos procedimen­tos; outras decidiram falar só agora. Com exceção de uma delas, as demais pedem para não serem identifica­das. Muitas dizem que passaram a ir acompanhad­as às consultas.

A maioria das mulheres ouvidas pela reportagem relata que o médico sugeria preenchime­nto labial e botava o dedo dentro da boca da paciente para mostrar como ficaria. Ele então fazia movimentos de vaivém com o dedo, repetidas vezes, como se simulasse sexo oral.

“Quando ele tirou os dedos da minha boca, ele me puxou em direção ao colo dele, querendo que eu encostasse nas partes íntimas dele. Eu puxava o braço de volta, recuava e ele puxava para o colo dele”, conta uma paciente que tinha 20 anos na época da consulta.

Uma cliente da advogada Gabriela Souza registrou ocorrência por importunaç­ão sexual contra o médico há cerca de dois anos. Segundo ela, ele pediu que a mulher, que queria colocar próteses de silicone nos seios, tirasse toda a roupa e tentou fazê-la sentarse no seu colo, de frente para ele, só de calcinha.

“No fim da consulta, ele indicou outros procedimen­tos, ela referiu que não tinha dinheiro, ele sugeriu então que ela pagasse de outra forma. A outra forma ficou muito claro que era sexo”, diz a advogada. O médico pagou danos morais à cliente dela.

Há cerca de um ano, Sabrina Ferreira, 27, modelo, influencer e empresária, criou um grupo no WhatsApp reunindo mulheres que se identifica­m como vítimas do médico, depois de tornar público seu relato de problemas com uma bioplastia nos glúteos que a deixou com caroço na região.

Ela conta que o grupo tem hoje 45 mulheres. Há relatos de supostos erros em procedimen­to e importunaç­ão ou assédio sexual. Por vergonha, Sabrina só relatou seu episódio de importunaç­ão agora. Ela ainda irá registrar o relato na polícia.

“Ele começou a apalpar meu bumbum, falar ‘você é tão linda, estou me apaixonand­o por você’, um monte de coisas desse tipo. Pediu para eu vir arde frente, começou a passaram ã onos meus seios, me assediar, porque não era toque de médico. Passou amão no biquinho do meu seio, eu fiquei em choque. Não tive reação porque, enquanto ele estava fazendo isso, fiquei pensando em tudo o que eu tinha visto dele. Aquela imagem que eu tinha criado de um médico sensaciona­l, um médico bom, eu estava em choque. Ele me virou, começou a passa ramão na minha bunda de novo, começou a beija raminha bunda .”

Segundo a delegada Jeiselaure, os supostos erros médicos podem ser alvo de um desdobrame­nto da investigaç­ão.

Uma das vítimas, uma mulher de 26 anos, diz que fez bioplastia nos glúteos com o médico em uma clínica de São Paulo, no fim de outubro do ano passado, e tem sequelas até hoje. Uma espécie de caroço levantou debaixo da pele.

“No dia do procedimen­to, o médico passou amão várias vezes nas minhas coxas, perguntand­o quanto tempo eu treinava, se tomava anabolizan­te e ‘mostrando’ para as secretária­s. Após a aplicação, ele perguntou se eu tinha prótese de silicone. Eu falei que sim, e ele pediu pra levantar a blusa pra ver se estava tudo certo, colocou amão e ficou apertando”, diz ela.

O médico é alvo de procedimen­tos administra­tivos no Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul). Em 2008, segundo a entidade, ele já tinha recebido pena disciplina­r de censura pública. Segundo o vicepresid­ente da entidade, Eduardo Neubarth Trindade, se comprovada­s as acusações, Brodbeck pode ser cassado de forma definitiva e proibido de trabalhar em todo o território nacional.

 ?? Divulgação Polícia Civil do RS ?? Policiais civis do Rio Grande do Sul fazem operação em endereços ligados ao cirurgião Klaus Brodbeck
Divulgação Polícia Civil do RS Policiais civis do Rio Grande do Sul fazem operação em endereços ligados ao cirurgião Klaus Brodbeck

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil