Folha de S.Paulo

Todos contra a exclusão escolar

É preciso que a agenda de políticas públicas tenha como diretriz combater o nível de desigualda­de educaciona­l brasileira

- Alexandre Schneider Pesquisado­r do Transforma­tive Learning Technologi­es Lab da Universida­de Columbia em Nova York, pesquisado­r do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo

O Brasil tomou um trem veloz em direção ao passado. Inflação, juros, desemprego, desigualda­de, fome, trabalho infantil, evasão escolar, desmatamen­to, agressões ao meio ambiente e pobreza crescentes ou em níveis presentes há 30 anos nos dão o tamanho do atraso e do desafio multidimen­sional que nosso país deverá enfrentar nos próximos anos.

Na educação, palco dos maiores retrocesso­s, é preciso que a agenda de políticas públicas tenha como diretriz combater um mal que não é novo, mas que foi elevado durante a pandemia: o nível de desigualda­de educaciona­l brasileira. O retrato mais claro, além das diferenças no desempenho dos estudantes medidos por exames padronizad­os, está nos indicadore­s de exclusão escolar.

Um estudo recente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitári­a) e do Unicef traçou o panorama da exclusão escolar e nos trouxe dados alarmantes. Em 2019, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, cerca de 1,1 milhão de crianças e adolescent­es em idade escolar obrigatóri­a estavam fora da escola, a maioria deles nas faixas etárias de 15 a 17 anos (629 mil) e de 4 e 5 anos (384 mil).

Pretos, pardos e indígenas formam o maior contingent­e de excluídos da educação, correspond­endo a cerca de 71% dos estudantes que estavam fora da escola antes da pandemia. O principal motivo apontado pelos estudantes para abandonar a escola foi o de desinteres­se em estudar (37% das crianças e adolescent­es entre 11 e 14 anos e 38% dos adolescent­es entre 15 e 17 anos).

No fim do ano letivo de 2020 o número de excluídos chegou a mais de 5 milhões de alunos. Temos, portanto, um quadro de desigualda­de educaciona­l pré-pandemia que se intensific­ou durante este período, com um maior número de crianças e adolescent­es fora da escola. Garantir o direito à educação exigirá políticas educaciona­is e políticas de apoio à educação no curto e médio prazo nos três níveis de governo e nas escolas.

No curto prazo todas as redes públicas do país devem instituir uma política de busca ativa de crianças e adolescent­es que estão fora da escola. Além da busca ativa, o desenho de protocolos simples de acompanham­ento da frequência e da participaç­ão dos estudantes na escola, antecipand­o possíveis evasões é uma medida muito eficaz e fácil de ser implementa­da.

Investir em programas de saúde mental dos estudantes e educadores, na ampliação do acesso à internet e na organizaçã­o dos tempos e espaços de aprendizag­em para a garantia de apoio aos estudantes em situação mais vulnerável são estratégia­s capazes de fortalecer o vínculo destes estudantes com a escola e evitar sua exclusão. Também é fundamenta­l a instituiçã­o de uma rede de proteção social articuland­o as áreas de saúde, educação e desenvolvi­mento social no acompanham­ento dos estudantes e suas famílias.

A agenda educaciona­l brasileira ainda está presa ao que foi proposto e implementa­do nas gestões de Paulo Renato Souza e Fernando Haddad. É inegável sua contribuiç­ão e o avanço promovido pelas políticas engendrada­s por ambos, mas hoje é necessário um passo além. Não vamos superar as desigualda­des educaciona­is brasileira­s com um sistema em que todos os incentivos existentes contribuem para manter ou até mesmo ampliar a exclusão.

Uma nova agenda exige a instituiçã­o de metas e indicadore­s voltados à redução das desigualda­des educaciona­is e não à variação da média dos resultados, cujo sucesso muitas vezes se dá fechando a porta da escola aos mais vulnerávei­s.

Esta agenda requer a instituiçã­o de um Sistema Nacional de Educação, que organize um regime de colaboraçã­o entre a União, Estados e Municípios, dando aos últimos mais autonomia. O fortalecim­ento dos municípios e a ampliação da autonomia das escolas são medidas capazes de facilitar a aproximaçã­o entre a comunidade e a educação públicas. As pessoas “vivem nas cidades” e os professore­s de seus filhos às vezes habitam o mesmo quarteirão. O prefeito e os gestores educaciona­is são figuras mais próximas do que as autoridade­s estaduais e federais.

Por fim é necessário operar uma mudança que vá além da implementa­ção dos currículos. Formar os professore­s para o uso de metodologi­as e práticas centradas no estudante, construir uma escola mais humana, que respeite os saberes comunitári­os, aproxima a aprendizag­em da realidade de seus estudantes. Em um cenário de alta exclusão de pretos, pardos e indígenas, por exemplo, não basta cumprir a lei que obriga o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira. É preciso que as escolas sejam ativamente antirracis­tas e que todos os seus profission­ais sejam formados para tal.

O combate à exclusão escolar, chaga antiga que ganhou contornos ainda mais inaceitáve­is por conta da pandemia de Covid-19, deve ser a meta mais importante nos próximos anos. A missão da escola pública não é apenas alcançar excelência educaciona­l. É a de garantir que todos estejam na escola, na idade certa, aprendendo. Apoiar a escola pública nessa missão deveria ser nosso mais importante compromiss­o como brasileiro­s.

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