Folha de S.Paulo

E agora, Aras?

- Guilherme Boulos Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidênci­a e à Prefeitura de São Paulo. Escreve às terças

Depois dos depoimento­s chocantes das vítimas da Covid, hoje seria lido o relatório final de Renan Calheiros na CPI, que deve agora esperar mais uma semana. Renan já anunciou que pedirá o indiciamen­to de Bolsonaro por 11 crimes e de mais 62 pessoas, entre ministros, exministro­s, deputados bolsonaris­tas, funcionári­os do governo e os três porquinhos Carluxo, Eduardo e Flávio.

A ficha corrida contra Bolsonaro envolve crime de epidemia com resultado de morte; infração de medida sanitária preventiva; homicídio comissivo (por omissão); charlatani­smo; emprego irregular de verbas públicas; prevaricaç­ão; genocídio de indígenas; incitação ao crime; falsificaç­ão de documento particular; crime de responsabi­lidade; e uma denúncia ao tribunal de Haia por crime contra a humanidade. O adiamento do relatório deveu-se a uma divergênci­a em relação a imputar ou não o crime de genocídio ao presidente.

Após a votação do relatório, os pedidos de indiciamen­to serão encaminhad­os à Procurador­ia-Geral da República. Pelo rito legal, a PGR analisará os casos que têm foro especial e decidirá se apresenta ou não denúncia ao Supremo. No caso do presidente, se denunciado, o STF tem que pedir autorizaçã­o à Câmara para instaurar o processo criminal.

Portanto, encerrada a CPI, a bola estará agora com Augusto Aras. O histórico, convenhamo­s, não é muito animador. Aras notabilizo­u-se até aqui por blindar Bolsonaro de todas as investigaç­ões possíveis e foi recompensa­do com a recondução ao cargo em agosto. Neste mesmo mês, chegou a ser enquadrado pela ministra Cármen Lúcia a se pronunciar em 24 horas sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, após 13 dias de silêncio diante de uma notícia-crime.

Há também uma avaliação corrente de que Aras ainda sonha com a vaga aberta no Supremo. Se de fato o PGR nutre essa esperança, tenderá a ser ainda mais dócil com Bolsonaro.

Mas a vida é mais complexa. A CPI teve uma repercussã­o sem precedente­s e mobilizou os sentimento­s da sociedade. Muitos depoimento­s expuseram sem filtro os crimes praticados pelo governo Bolsonaro na pandemia, além de terem levado as investigaç­ões para a corrupção, tema sensível à própria base bolsonaris­ta. A ferida dos 600 mil mortos está aberta e ainda sangra. Não será fácil para Aras, mesmo que queira, simplesmen­te engavetar o relatório.

De um lado, está o eventual compromiss­o político com Bolsonaro e, quiçá, o sonho de uma cadeira no STF. De outro, o clamor social por justiça em relação ao maior morticínio da história brasileira desde a colonizaçã­o. O PGR está diante da decisão de sua vida, que terá forte impacto na vida da nação. Ficar ao lado da justiça ou do poder? Dos algozes ou das vítimas? E agora, Aras?

 ?? Benett ??
Benett

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil