Folha de S.Paulo

A dança TikTok

da ciência e o réquiem

- Nelson Wilians* *Empreended­or e advogado

Ao mesmo tempo em que o coronavíru­s se espalhava pelo mundo, a dancinha do TikTok divertia milhões de pessoas. Até o Unicef utilizou esse fenômeno de comunicaçã­o para promover um vídeo de dança que ensinava os cuidados básicos de prevenção ao vírus.

O aplicativo chinês virou fenômeno e pulou para o sétimo lugar entre os mais baixados da década.

Porém, os desafios de dança podem explodir tão rapidament­e no app que se torna difícil rastrear suas origens, como acontece com as fake news.

Sobre isso, há pesquisas que apontam que tweets contendo informaçõe­s incorretas têm duas vezes mais probabilid­ade de serem retuitados. “Isso ocorre porque a desinforma­ção geralmente é sensaciona­lista, enquanto os tweets contendo informaçõe­s corretas parecem convencion­ais e sem apelo”, explica a especialis­ta em comunicaçã­o em saúde da Texas A&M (EUA), Lu Tang.

Junte-se a isso o fato de que as mídias sociais permitem que as pessoas encontrem outras com ideias semelhante­s, se mobilizem e defendam suas crenças, podendo exacerbar tensões sociais e comportame­ntos discrimina­tórios.

As mídias sociais, no entanto, permitem também que mensagens vitais sejam disseminad­as de forma rápida e eficiente, e ainda possibilit­am que as comunidade­s se envolvam ativamente em seu compartilh­amento e aprimorame­nto.

“As mídias sociais têm seus benefícios quando se trata de informar o público sobre uma crise e possíveis soluções”, acrescenta Lu Tang.

Sob esse aspecto, uma das maiores quedas de braço nesses tempos talvez tenha sido a de comunicaçã­o entre cientistas e membros do Poder Executivo em diversas questões relacionad­as ao combate da pandemia.

Basta examinar a recomendaç­ão de uso de máscaras pela OMS. Com o alastramen­to da Covid-19 e as evidências científica­s, logo grande parte da população aderiu ao uso, com apoio de estados, municípios e do Poder Judiciário.

Sem estratégia, o discurso do governo era o de afrontar a ciência e ignorar a emergência de saúde pública. Não entendeu como o risco afeta o que se pode comunicar e como estruturar as mensagens diante de uma população assustada e indignada.

Por outro lado, com empatia, solidaried­ade e conhecimen­to, os cientistas construíam uma comunicaçã­o coerente baseada em dados científico­s e ganhavam espaço e voz nas múltiplas plataforma­s de comunicaçã­o. Se revelavam faróis de confiança mesmo sem haver uma solução definitiva para o tratamento da Covid-19, com mensagens claras e adaptadas para públicos diversos.

Isso ficou evidente nas pesquisas que apontavam o alto índice de brasileiro­s que desejam ser vacinados, ao mesmo tempo que a popularida­de do governo despencava. Estava claro que o descaso colocou motoristas para pilotar o boeing da pandemia. Atônita, com a doença batendo à sua porta e de sua vizinhança, a população não dava mais nenhum centavo de crédito aos mensageiro­s do planalto.

Agora, os cientistas ainda continuam seus esforços para divulgar as mensagens certas, num processo interativo de troca de informaçõe­s e opiniões entre indivíduos e instituiçõ­es para impedir a disseminaç­ão de informaçõe­s falsas — com movimentos coordenado­s bem ao estilo de uma dança do TikTok. Do outro lado, porém, só se ouve ao fundo um longo réquiem. Amém.

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