Folha de S.Paulo

Bolsonaro perde trânsito no STF e pena com retomada de relação entre Poderes

Ministros de Justiça, AGU e Defesa faziam ponte entre Supremo e Planalto, mas foram substituíd­os

- Matheus Teixeira

brasília Apesar da trégua do presidente Jair Bolsonaro nos ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), a ausência de integrante­s do governo com trânsito na corte tem dificultad­o a retomada da relação entre os Poderes.

O Executivo perdeu os três principais interlocut­ores que tinham relação próxima com as diferentes alas do Supremo.

No início do governo, os responsáve­is pelas pastas com atribuição de dialogar com o tribunal eram Sergio Moro, no Ministério da Justiça, e André Mendonça, na AGU (Advocacia-Geral da União).

Apesar de não serem bem vistos por parte do STF, eles eram respeitado­s e tinham proximidad­e com magistrado­s. Além disso, havia o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que já foi assessor da presidênci­a do tribunal e é próximo de diferentes ministros.

Os três deixaram a Esplanada e foram substituíd­os por nomes sem trânsito no Judiciário. O chefe da Justiça, Anderson Torres, e da AGU, Bruno Bianco, têm se esforçado para criar canais de diálogo na corte, mas não têm histórico de relação com ministros e são vistos com receio no tribunal.

Antes de Bianco, estava no cargo Mendonça, que, apesar de enfrentar resistênci­as no Senado, tem contado com a ajuda de parte dos ministros para ter o nome aprovado a uma vaga no STF, o que expõe seu nível de interlocuç­ão dentro da corte.

O apoio tem partido principalm­ente da ala a favor da Lava Jato, liderada pelos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, mas não só. Ele também conta com a ajuda do ministro Dias Toffoli, de quem foi assessor na AGU e que pertence à outra ala do tribunal, contrária às operações iniciadas na Justiça Federal em Curitiba.

Além disso, em abril de 2020, quando Mendonça foi deslocado para o Ministério da Justiça logo após o pedido de demissão de Moro, o então procurador da Fazenda Nacional, José Levi, assumiu a AGU.

Levi tinha sido secretário­executivo de Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça em 2016 e 2017 e tem uma carreira acadêmica reconhecid­a pelos ministros do STF. Bianco, portanto, é o primeiro advogado-geral da União do governo Bolsonaro sem trânsito na corte.

Outra mudança muito sentida no Supremo foi a saída de

Azevedo e Silva e a nomeação de Braga Netto no Ministério da Defesa.

O atual chefe da pasta é visto com reticência por magistrado­s, que o veem como um auxiliar de Bolsonaro que não faz ponderaçõe­s ou não tenta colocar freios às ofensivas do chefe do Executivo contra as instituiçõ­es.

Esse é o oposto do papel que exercia seu antecessor. Azevedo e Silva trabalhava para manter as Forças Armadas longe da política, com um viés mais institucio­nal e imparcial, o que foi justamente considerad­o como um dos motivos para sua troca no posto.

O general mantinha contato frequente com ministros do STF, diferentem­ente de Braga Netto, e sempre procurava botar panos quentes na relação entre os Poderes quando Bolsonaro insinuava o uso do Exército para impor suas vontades sobre as demais instituiçõ­es.

Atualmente, a pessoa mais próxima do STF nomeada por Bolsonaro é o chefe da Polícia Federal, Paulo Maiurino, que já comandou o setor de segurança da corte.

Ele foi secretário de Segurança do Supremo na gestão de Toffoli à frente do tribunal, quando estabelece­u boa relação com os ministros. Recentemen­te, obteve uma vitória no tribunal que deixou clara a boa interlocuç­ão que mantém na corte.

Enquanto se consolidav­a como o ministro que mais acumula enfrentame­ntos com Bolsonaro, Moraes fez um gesto público de confiança em Maiurino.

No final de agosto, às vésperas do 7 de Setembro e no auge da tensão entre STF e governo, o ministro afastou o delegado Felipe Leal da condução do inquérito que apura a veracidade das acusações do exministro Moro contra Bolsonaro sob o argumento de que ele extrapolou suas funções ao investigar atos assinados pelo atual diretor-geral da PF.

As tentativas de aproximaçã­o do STF com o governo, porém, ainda existem. Na última semana, o presidente da corte, Luiz Fux, teve um almoço fechado com o comandante do Exército, general Paulo Nogueira.

As conversas do encontro foram mantidas sob sigilo e o ministro se limitou a dizer a interlocut­ores que o diálogo foi leve e serviu para aproximar as instituiçõ­es.

Além disso, Bolsonaro também mudou de postura depois do 7 de Setembro, data em que ameaçou descumprir decisões do Supremo, e passou a fazer mais sinalizaçõ­es em direção ao STF.

Primeiro, escreveu um texto, articulado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em que justificou ter feito ataques a Moraes devido ao “calor do momento” e fez elogios ao magistrado.

“Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergênci­as em algumas decisões do ministro Alexandre de Moraes”, disse, em tom muito mais ameno do que vinha adotando.

Bolsonaro também levantou bandeira branca em relação a Barroso, que é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e chegou a ser acusado pelo presidente de querer fraudar as eleições para impedir sua reeleição.

Depois de ter xingado o ministro, o presidente elogiou a iniciativa dele de nomear um comitê para acompanhar o processo eleitoral e a lisura das urnas eletrônica­s, principalm­ente pelo fato de o Exército ter um assento nesse colegiado.

Em entrevista à revista Veja no final de setembro, ele recuou das ameaças e disse que não tem chance de tentar “melar as eleições”.

“Com as Forças Armadas participan­do, você não tem por que duvidar do voto eletrônico. As Forças Armadas vão empenhar seu nome, não tem por que duvidar. Eu até elogio o Barroso, no tocante a essa ideia —desde que as instituiçõ­es participem de todas as fases do processo”, disse.

 ?? Alan Santos/Presidênci­a da República ?? O presidente Jair Bolsonaro (à dir.) em sua chegada a Araxá, Minas Gerais, nesta segunda
Alan Santos/Presidênci­a da República O presidente Jair Bolsonaro (à dir.) em sua chegada a Araxá, Minas Gerais, nesta segunda

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