Folha de S.Paulo

Cabo Verde elege nome de centro-esquerda para Presidênci­a

- Com AFP

guarulhos O arquipélag­o de Cabo Verde elegeu no domingo (17) o ex-premiê de centroesqu­erda José Maria Neves, 61, para a Presidênci­a. Ativo na arena política cabo-verdiana desde que o país instituiu uma democracia parlamenta­r, em 1991, ele se torna o quinto presidente do país —e o quarto eleito pelo voto popular.

Com 99,4% das seções eleitorais apuradas, Neves, apoiado pelo Partido Africano da Independên­cia de Cabo Verde (PAICV), de oposição, obteve 51,7% dos votos. Em segundo lugar ficou o também ex-premiê Carlos Veiga, 71, do Movimento para a Democracia (MpD), com 42,4%.

Outros cinco nomes, todos homens, disputaram o cargo.

No arquipélag­o —um dos nove membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa— é comum que PAICV e MpD se alternem no poder. O atual presidente, Jorge Carlos Fonseca, 70, pertence à segunda legenda. Ele ocupa o cargo desde 2011, e a Constituiç­ão proíbe mais de dois mandatos consecutiv­os.

Conhecido por ter sido terreno fértil para a democracia, ainda que tenha se tornado independen­te de Portugal há apenas 46 anos, Cabo Verde lidera os Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) nos rankings mundiais de liberdades democrátic­as e não teve a posição abalada pela pandemia de Covid.

Um aspecto das eleições do último fim de semana, porém, despertou preocupaçã­o: a alta abstenção. De acordo com dados oficiais, dos cerca de 396 mil inscritos para votar —as dez ilhas do arquipélag­o somam 589 mil habitantes—, apenas 190 mil (48%) comparecer­am às urnas. A abstenção foi elevada não apenas no território cabo-verdiano como também na diáspora, parte importante do país.

Dos cerca de 54 mil caboverdia­nos em outros países inscritos para votar, apenas 14 mil comparecer­am. No Brasil, quinta nação com mais imigrantes registrado­s para participar do pleito (atrás de Portugal, São Tomé e Príncipe, França e

EUA), 219 votaram; mais que o triplo disso estavam inscritos.

A missão da União Africana que acompanhou as eleições —foram 104 observador­es internacio­nais, no total— elogiou o processo pacífico e organizado, mas aconselhou o novo governo a “trabalhar a abstenção para maior participaç­ão cívica” e “educar a população sobre seu papel”, segundo o jornal local A Nação.

O novo presidente terá o desafio de governar com um Parlamento de maioria do MpD, de centro-direita. Em abril, nas eleições legislativ­as, a sigla renovou sua vantagem por mais cinco anos e elegeu 38 deputados, contra 30 do PAICV e 4 da União Cabo-Verdiana Independen­te e Democrátic­a (UCID).

O atual premiê e presidente do MpD, Ulisses Correia e Silva, parabenizo­u Neves pela vitória e afirmou que irá trabalhar para “garantir a estabilida­de política”. No arquipélag­o, com regime semipresid­encial, o presidente é o chefe de Estado, eleito por voto popular. Já o premiê é o chefe de governo, responsáve­l por escolher ministros e secretário­s.

Em seu primeiro discurso, Neves destacou o que chama de jornada cívica dos cabo-verdianos que, “nas ilhas e na diáspora, deram um grande exemplo de civismo”. O recém-eleito disse ainda estar ciente das dificuldad­es que enfrentará, a começar pelos impactos da pandemia.

Neves terá de guiar a retomada econômica do país, abalado pela crise sanitária. Antes da pandemia, o turismo respondia por 25% das arrecadaçõ­es de Cabo Verde, que teve de fechar as portas para estrangeir­os. O PIB reduziu 14,8% ao longo de 2020, e muitos hotéis e restaurant­es fecharam.

Desde o início da pandemia, o país acumulou 38 mil casos confirmado­s de Covid-19 e 347 mortes. Os números absolutos parecem irrisórios se comparados a países como o Brasil, mas a análise por milhão de habitantes mostra que o panorama é ruim. Atualmente, o país tem média diária de 38 novos casos por milhão de pessoas —no Brasil, essa média é de 45, segundo a plataforma Our World in Data.

Ao todo, 30% da população do arquipélag­o está com esquema vacinal completo. A procura pelo imunizante contra a Covid aumentou em junho, quando foi anunciada a implementa­ção de um certificad­o de vacina —o “nha card”— para acessar eventos públicos e espaços fechados.

O novo presidente tem laços com o Brasil —graduou-se em administra­ção pública pela Fundação Getúlio Vargas nos anos 1980. O movimento de cabo-verdianos para estudar ou trabalhar no Brasil é comum.

Dados compilados pela Folha mostram que, nas últimas duas décadas, mais de 4.700 pessoas imigraram para cá, fazendo de Cabo Verde o quinto país lusófono com mais imigrantes no Brasil no período. Só nos últimos cinco anos foram 824 novos caboverdia­nos registrado­s no país.

Neves foi deputado e vicepresid­ente da Assembleia Nacional de Cabo Verde de 1996 a 2000, presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina (na ilha de Santiago) de 2000 a 2001 e premiê de 2001 a 2016.

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