Folha de S.Paulo

Governo leva vantagem na Comissão de Ética

Sob Bolsonaro, equipe econômica ganhou 84% das decisões que chegaram ao colegiado; em 2018, eram 39%

- Fábio Pupo e Mateus Vargas

brasília Os integrante­s do Ministério da Economia, do Banco Central e dos bancos federais receberam decisões favoráveis em 84% das análises da Comissão de Ética da Presidênci­a da República em 2021. Entre elas, há um caso envolvendo o ministro Paulo Guedes (Economia).

Os processos ligados à equipe econômica incluem consultas sobre conflito de interesses durante o exercício do cargo, análises sobre a exigência de quarentena após a saída do governo e apurações éticas.

Levantamen­to feito pela Folha com base nas notas e atas da comissão disponívei­s na internet mostra que o percentual em 2021 foi alcançado após uma escalada no governo Bolsonaro. Em 2018 e 2019, as decisões pró-equipe econômica não passavam de 39% do total. Em 2019, o índice subiu para 73%. Em 2020, para 84%.

Desde que entrou no governo, Guedes já foi alvo de ao menos cinco análises na comissão. As atas do colegiado não permitem detalhar o que levou o ministro a virar alvo, mas os casos foram rejeitados.

Neste ano, por exemplo, foi arquivado um caso que tinha potencial de gerar processo de apuração ética contra o ministro. Em maio de 2019, o órgão não viu problema em o titular da equipe econômica manter recursos em um paraíso fiscal —em caso que veio à tona neste mês.

A revelação sobre os recursos do ministro no exterior gerou acusações de conflito de interesses, principalm­ente porque Guedes participou de decisões que, na prática, beneficiam investimen­tos em offshores (empresas no exterior, usadas em grande parte para evitar impostos).

Decisões no CMN (Conselho Monetário Nacional), do qual Guedes faz parte, ampliaram a possibilid­ade de investimen­tos de offshores e ainda afrouxaram a prestação de contas desse tipo de empresa às autoridade­s. Além do ministro, o CMN tem outros dois integrante­s (o presidente do Banco Central, que também teve recursos em paraísos fiscais, e um subordinad­o do ministro).

Além disso, o ministro conduz debates sobre a reforma tributária —e defendeu publicamen­te retirar do projeto do Imposto de Renda uma regra que tributaria recursos de brasileiro­s em offshores. O projeto foi apresentad­o por ele, que disse logo depois que a norma complicari­a o debate.

O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administra­ção Federal diz que configura conflito de interesses no exercício de cargo no Poder Executivo federal “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público”.

Já a Lei de Conflito de Interesses veda que ministros ou outros ocupantes de altos cargos do governo pratiquem “ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheir­o ou parentes, consanguín­eos ou afins”.

Para especialis­tas, situações de potencial conflito de interesse (não apenas uma situação flagrante de conflito) já demandam iniciativa­s preventiva­s por parte das autoridade­s.

Guedes informou em 2019 à Comissão que adotaria medidas para mitigar ou prevenir conflitos de interesses, e a comissão também recomendou ações. O colegiado não informou quais sugeriu, mas disse que tais medidas geralmente incluem congelar a carteira de investimen­tos. Guedes não informou se a carteira está congelada.

Após as revelações dos recursos de Guedes no exterior, a comissão emitiu nota dizendo que pode reavaliar o caso. “Diante de novas informaçõe­s [...] ou de possível ocorrência de conflito de interesses durante o exercício do cargo, poderão ser reavaliada­s as providênci­as recomendad­as ou instaurado processo de apuração ética”.

As consequênc­ias em caso de descumprim­ento do Código de Conduta são geralmente brandas. A violação acarreta, dependendo do caso, advertênci­a e censura ética. Em casos mais graves, no entanto, pode haver sugestão de demissão à autoridade hierarquic­amente superior (no caso, o presidente da República).

Outra análise envolvendo Guedes na comissão teve como base uma suposta “manifestaç­ão indevida” do ministro. O colegiado arquivou o caso, mas sugeriu que ele controle suas declaraçõe­s com “maior cautela no linguajar utilizado em reuniões públicas”, mesmo em ambientes restritos.

“Em especial quando o assunto tratado puder causar exposições desnecessá­rias”, afirmaram os membros da comissão. O presidente do órgão à época, André Tavares, reforçou a importânci­a da recomendaç­ão “em virtude do caráter pedagógico da atuação” da comissão.

A equipe econômica tem sido em grande parte poupada também de cumprir quarentena após o exercício do cargo. A dispensa foi concedida para ex-ocupantes de altos cargos da pasta, como Caio Megale e Paulo Uebel —que ocuparam a equipe de Guedes como assessor especial do ministro e secretário especial, respectiva­mente, e hoje trabalham na iniciativa privada.

Na menor parte dos casos, como do ex-secretário Especial da Fazenda Waldery Rodrigues e do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, o colegiado exigiu quarentena.

O órgão arquivou recentemen­te processos contra o exsecretár­io de Desestatiz­ação e Privatizaç­ão da Economia Salim Mattar, por suposta declaração indevida; da secretária do PPI (Programa de Parcerias de Investimen­tos), Martha Seillier, por violação de norma ética; e do ex-presidente do Banco do Brasil Rubem Novaes, por manifestaç­ão indevida.

A comissão também favoreceu Antonio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Em 2019, os conselheir­os decidiram não abrir procedimen­to ético sobre a nomeação dele para assessorar o presidente do Banco do Brasil, com salário de R$ 36,3 mil.

Nesse caso, a justificat­iva foi que não se encontrou conflito ético “ao apreciar matérias jornalísti­cas”, pois o filho do vice-presidente era funcionári­o do banco há 18 anos.

A Comissão de Ética foi criada em 1999 com a função de instância consultiva do presidente da República e de ministros em em matéria de ética pública, sendo responsáve­l por administra­r a aplicação do Código de Conduta da Alta Administra­ção Federal, apurando “condutas em desacordo com as normas previstas no código”.

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