Folha de S.Paulo

Mineração ameaça arquipélag­o de Humboldt, tesouro natural do Chile

Com investimen­to de US$ 2,5 bi, projeto Dominga pretende explorar jazida de ferro e cobre

- Pablo Cozzaglio e Alberto Peña

la higuera (chile) | afp No norte do Chile existe um arquipélag­o intocado, refúgio de pinguins e lontras ameaçados, que, segundo ativistas climáticos e cientistas está em risco pela construção do projeto mineiro e portuário Dominga no deserto do Atacama.

Localizado a cerca de 530 km ao norte de Santiago e ao largo da costa do município de La Higuera, o arquipélag­o de Humboldt abriga 80% da população mundial de pinguins de Humboldt —em perigo de extinção— em suas oito ilhas. Três delas são protegidas como reserva nacional.

É também o lar de chungungos —a menor lontra do mundo e também em perigo de extinção— e de centenas de leões-marinhos e golfinhos nariz-de-garrafa, que nadam entre algas e cardumes de peixes.

Suas águas atraem milhares de aves e baleias.

O lugar é um “tesouro natural” e de biodiversi­dade, diz o acadêmico Carlos Gaymer, da Universida­de Católica do Norte, à AFP. “Cientistas do mundo todo reconhecer­am que não há um lugar como este no planeta”, acrescenta.

Por esse motivo, cientistas, ativistas e moradores do litoral rejeitam o projeto de mineração Dominga, na região de Coquimbo.

Com investimen­to de US$ 2,5 bilhões (R$ 13,6 bilhões), o projeto quer explorar, a céu aberto, uma jazida de ferro e cobre, diz a proprietár­ia Andes Iron, em seu site.

Nesta zona desértica perto do povoado de La Higuera, uma estação de tratamento e tanques também serão construído­s. O projeto inclui ainda a construção de uma central de dessaliniz­ação e um porto de carga de minerais em Totoralill­o, em torno de 26 km a oeste da jazida e a 30 km do arquipélag­o.

Para Gaymer, o projeto Dominga é como instalar um porto mineiro nas Ilhas Galápagos, no Equador, e para Matías Asun, diretor do Greenpeace Chile, é um “verdadeiro crime ambiental”.

“Fazer um projeto de mineração lá, mesmo o melhor projeto de mineração que se possa fazer, é o equivalent­e a colocar uma discoteca em uma maternidad­e”, compara Asun.

Os pescadores artesanais da localidade de Punta de Choros, na costa, administra­m as áreas de gestão sustentáve­l ou de pesca há gerações.

“Talvez a riqueza que possuímos não seja material, mas está em nosso arquipélag­o, em navegar livremente”, diz Elías Barrera, 26, terceira geração de pescadores e mergulhado­res coletores.

“Para nós, a mineração Dominga é a destruição da nossa cultura ancestral do povo chango, que predomina há mais de 10 mil anos nestes território­s, vivendo de forma íntegra e sustentáve­l com nosso meio ambiente”, completa.

A empresa não quis falar com a AFP sobre o projeto.

A mineradora projeta uma exploração de 22 anos, com uma produção anual de 12 milhões de toneladas de ferro e 150 mil toneladas de cobre. O Chile é o maior produtor e exportador mundial desta commodity.

A Andes Iron promete criar 10 mil empregos diretos e 25 mil indiretos na fase de construção, e 1.500 diretos e 4.000 indiretos, durante as operações.

O Tribunal Ambiental de Coquimbo avaliou o projeto favoravelm­ente em agosto. Ainda há, no entanto, recursos pendentes na Suprema Corte do país por seu impacto ambiental.

“É uma tremenda oportunida­de para La Higuera, para além dos impactos que pode causar no meio ambiente, porque todo projeto gera impacto”, defendeu seu prefeito, o governista Yerko Galleguill­os, em entrevista à AFP.

O argumento se repete nesta cidade de 3.892 habitantes. Sem água potável ou rede de esgoto, os moradores acreditam que o projeto trará prosperida­de a uma área desamparad­a no meio do deserto.

“Aqui tem muita gente que sai em busca de trabalho, deixa suas famílias. Se Dominga chegar, vai ter trabalho para todos”, diz Johanna Yvonne Villalobos, dona de casa de 47 anos.

A bióloga Cristina Dorador, que integra a Convenção Constituci­onal, ressalta, no entanto, que é preciso mudar o atual modelo de desenvolvi­mento do Chile, baseado na exploração da matériapri­ma às custas da natureza.

“Claramente vamos ter de desenvolve­r alternativ­as [...] para que o Chile se transforme em uma sociedade do conhecimen­to e não tenha de depender, finalmente, dos mercados externos e da demanda por minerais, como é o caso atualmente”, disse ela à AFP.

O projeto também é polêmico, porque já está marcado de suspeitas de corrupção.

A oposição chilena acaba de pedir ao Congresso o impeachmen­t do presidente Sebastián Piñera, que também está sendo investigad­o pelo Ministério Público. Uma empresa de seus filhos vendeu Dominga em 2010 para um de seus melhores amigos em um paraíso fiscal, uma operação revelada nos Pandora Papers.

No contrato de venda, a última parcela do pagamento estava condiciona­da a “que não se estabelece­sse uma área de proteção ambiental sobre a zona de operações da mineradora, como exigem grupos ambientali­stas”. O pagamento foi feito, porque, até o momento, a área continua desprotegi­da.

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Alberto Pea/AFP Pescador em Punta de Choros, no município de La Higuera, próximo do arquipélag­o Humbolt, no Chile

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