Folha de S.Paulo

Dois policiais são acusados por morte de homem no Jacarezinh­o

Juíza aceita denúncia de homicídio e fraude processual contra agentes da Polícia Civil

- Italo Nogueira

rio de janeiro A juíza Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal, aceitou a denúncia contra dois policiais civis acusados de envolvimen­to no homicídio de um rapaz durante operação policial na favela do Jacarezinh­o, em maio, a mais letal da história do estado.

A magistrada também determinou que a Polícia Civil interrompa as investigaç­ões que conduzia sobre o caso e envie todos os documentos do inquérito para a Justiça. Ela também proibiu que os dois agentes participem de operações policiais, bem como tenham contato com pessoas que morem na comunidade.

A decisão de Louro foi tomada no sábado (16), dois dias depois do Ministério Público do Rio de Janeiro apresentar a denúncia contra o policial civil Douglas de Lucena Peixoto Siqueira sob acusação de homicídio doloso e fraude processual, e o agente Anderson Silveira Pereira, pelo segundo crime. Os dois integram a Core (Coordenado­ria de Recursos Especiais), braço operaciona­l da Polícia Civil.

Em nota, o advogado Gabriel Habib, que defende os dois policiais, afirmou que “será comprovado no curso do processo que a morte de Omar foi decorrente de anterior intensa troca de tiros entre policiais de um lado e os traficante­s armados com pistolas, fuzis e granadas”.

Esta foi a primeira denúncia oferecida pela força-tarefa montada pelo MP-RJ para investigar a ação que terminou com 28 mortos, sendo 27 civis e um policial civil.

Os crimes apontados pela força-tarefa à Justiça referemse ao homicídio de Omar Pereira da Silva, 21, no interior de uma casa na Travessa São Manuel, no Jacarezinh­o.

De acordo com a denúncia, o crime foi praticado quando a vítima estava encurralad­a, desarmada e já baleada no pé no quarto de uma criança onde havia se escondido. Ainda segundo a acusação, o policial responsáve­l pelo disparo e outro agente, também denunciado, retiraram o cadáver do local antes da perícia de local de morte violenta.

A denúncia aponta que os policiais também foram responsáve­is por inserir uma granada no local do crime e, no momento de registro da ocorrência em sede policial, apresentar­am uma pistola e um carregador, alegando falsamente terem sido recolhidos junto à vítima.

“Com tais condutas, os denunciado­s (...), no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestam­ente ilícito, com o fim de eximir (...) de responsabi­lidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude”, afirma a denúncia.

A magistrada afirmou que a repercussã­o do caso exigia que as medidas cautelares solicitada­s pelo MP-RJ fossem implementa­das. “Trata-se de fato de grande repercussã­o, amplamente divulgado por toda a mídia nacional e internacio­nal, sendo reputada como a mais trágica operação policial do estado do Rio de Janeiro, pelo que tenho que se justificam as medidas cautelares ora pleiteadas pelo órgão ministeria­l”, escreveu a juíza.

“Isso porque —pelo que consta dos autos e dada a gravidade dos fatos sob análise — os apontados agentes não estariam aptos a figurarem em operações policiais externas, sob pena de pôr em risco a ordem pública”, afirmou.

A magistrada analisará as provas e, caso considere haver indícios suficiente­s, os dois agentes serão julgados pelo Tribunal do Júri.

A versão descrita pela Promotoria já havia sido relatada pela sogra de Omar logo após a operação. Ela afirmou que ele estava dentro de uma casa baleado no pé, mas policiais atiraram nele em frente a um colega e à mãe desse colega.

“Eu estava do lado de fora com minha filha pedindo socorro”, afirmou ela.

Omar não era alvo de mandado de prisão que justificou a realização da operação. Uma tia da vítima afirmou em depoimento à polícia que ele fazia parte do tráfico de drogas do Jacarezinh­o. Ele havia sido preso em 2019 após roubos e estava em liberdade provisória quando foi morto.

Essa é uma das 12 ocorrência­s que resultaram, no total, nas 27 mortes de pessoas apontadas como traficante­s pela polícia. As demais seguem em apuração no MP-RJ.

Três dos civis mortos eram alvos dos mandados de prisão. Seis pessoas foram presas e foram apreendida­s na operação diversas armas de fogo.

Outros dois policiais civis, envolvidos na morte de Isaac Pinheiro de Oliveira, 22, e Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23, já são considerad­os formalment­e investigad­os.

O advogado dos dois policiais tornados réus, Gabriel Habib, criticou também a determinaç­ão para encerramen­to do inquérito ainda em aberto na Delegacia de Homicídios sobre a mesma ocorrência.

A medida foi solicitada pelo MP-RJ por entender que a investigaç­ão não tem mais razão de prosseguir tendo em vista a apuração independen­te feita pelos promotores.

Dada a gravidade dos fatos (...), os apontados agentes não estariam aptos a figurarem em operações policiais externas, sob pena de pôr em risco a ordem pública Elizabeth Louro juíza da 2ª Vara Criminal

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Mauro Pimentel- 6.mai.21/AFP. Sangue em porta de casa no Jacarezinh­o após a ação

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