Folha de S.Paulo

Contraste e ‘mexicaniza­ção’ do crime marcam a fronteira com o Paraguai

Polo do agronegóci­o, Ponta Porã sofre com tráfico; crime agrava problemas de Pedro Juan Caballero

- Artur Rodrigues e Adriano Vizoni

pedro juan caballero (paraguai) e ponta porã (ms) Pais de três filhos, os paraguaios Cristino Gomez, 30, e Miriam Arce, 29, vivem num bairro da periferia de Pedro Juan Caballero (Paraguai) cortado somente por ruas de terra.

A família vive com a ajuda de um auxílio do governo para a criação dos filhos semelhante ao Bolsa Família.

Com poucos empregos, o futuro das crianças não parece animador. “Muitos jovens se envolvem com drogas e com o que não deve”, diz Miriam.

O casal vive na mesma rua da Penitenciá­ria Regional de Pedro Juan Caballero, que abriga diversos traficante­s de facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), que domina o tráfico de drogas na cidade.

A cidade, vizinha de Ponta Porã (MS), é refém da presença dos narcotrafi­cantes, atraídos pela facilidade em cruzar para o Brasil sem qualquer espécie de fiscalizaç­ão.

“Uma fábrica, uma indústria aqui é que seria bom. Mas com a violência que estamos aqui é difícil o pessoal querer vir”, diz o prefeito interino de Pedro Juan Caballero, Luis Amarilla Candia.

A cidade paraguaia tem como motores de sua economia o turismo de compras e a vinda de estudantes brasileiro­s para estudar medicina em universida­des instaladas ali, ambos setores bastante afetados devido à pandemia.

Membro do Partido Liberal, de oposição ao Colorado que está no governo federal, Candia cobra maior ação do país no combate ao crime. O prefeito diz que há disparidad­e de forças entre os traficante­s e as forças de segurança.

“Nós precisamos melhorar nossa segurança. E não é só colocar mais policiais na rua, só com revólver ou pistola, porque o pessoal que vem do Brasil [das facções] para cá o armamento deles é de guerra. Às vezes nem o Exército tem.”

Após ter a filha assassinad­a em uma chacina no último dia 9, o governador do estado de Amambay (onde fica Pedro Juan Caballero), Ronald Acevedo, do mesmo partido de Candia, criticou o governo do presidente Mario Abdo Benítez.

Ele comparou Pedro Juan Caballero à região de Sinaloa, no México, área do megatrafic­ante Joaquím Guzmán, El Chapo. Naquele país, os banhos de sangue resultante­s das guerras entre cartéis viraram rotina em algumas regiões.

Já a região de Pedro Juan Caballero, embora atualmente não tenha nenhum chefão mais famoso, teve vários nomes notórios do PCC mandando e matando, e a facção continua agindo por ali.

Além de reclamar da falta de investimen­to em segurança, autoridade­s da região da fronteira paraguaia dizem ter menos dinheiro também para infraestru­tura. A poucos quarteirõe­s do centro de Pedro Juan Caballero, por exemplo, já passa a ser comum encontrar bairros formados apenas por ruas de terra.

Enquanto o orçamento de Ponta Porã previsto para 2021 é superior a R$ 400 milhões, os valores anuais de Pedro Juan Caballero estão em torno de 25% em valores convertido­s em reais, segundo dados da transparên­cia do município. A população da cidade paraguaia (115 mil pessoas) é superior à do município brasileiro (94 mil).

O resultado da falta de verba se vê bairros como o Santa Tereza, onde Cristino e Miriam vivem com a família.

A escola onde as crianças estudam está sem aulas, diz a paraguaia, porque as professora­s não estariam recebendo e entraram em paralisaçã­o.

Além disso, o bairro, sem calçadas, em dias de chuva, obriga que a população ande em meio à lama. “Falta arrumar muita coisa aqui”, afirma Miriam.

Embora Ponta Porã também tenha partes mais pobres, o contraste social é visível quando se atravessa a fronteira, o que significa, na prática, apenas cruzar uma rua.

Logo se vê carros de luxo trafegando em meio a ruas largas e arborizada­s. Ao sair do centro, é comum encontrar ruas com diversas mansões, onde moram empresário­s do agronegóci­o.

Produtora de soja e milho, como várias cidades do Mato Grosso do Sul, Ponta Porã está entre as cidades mais ricas do agronegóci­o nacional.

A diferença econômica para a cidade vizinha, porém, não impede de que haja impacto por conta do crime, incluindo do ponto de vista financeiro.

“Tudo o que acontece em Pedro Juan Caballero tem um efeito colateral em Ponta Porã porque aqueles que estão envolvidos no crime migram para cá. Porque o cerco fecha do outro lado, e a fronteira é seca”, diz o secretário municipal de Segurança Pública de Ponta Porã, Marcelino Nunes. Segundo ele, o mesmo se dá quando os crimes ocorrem em Pedro Juan Caballero.

Nunes diz que a cidade faz o que pode para contribuir com a segurança, seja tendo uma guarda-civil bem armada com 70 homens, que na prática faz o papel de polícia ostensiva, seja na instalação de um sistema de câmeras que já ajudou a prender diversos traficante­s na região.

Desde o ano passado, a guarda apreendeu em torno de quatro toneladas de drogas, principalm­ente relacionad­as ao chamado tráfico formiguinh­a, feito por mulas que utilizam o terminal rodoviário. Os agentes aprenderam a identifica­r possíveis criminosos.

“Tem o perfil que a gente chama aqui de ‘dar o pulo’. Eles embarcam as suas bagagens e ficam esperando até a última hora do ônibus sair. Quando vai sair, eles dão o pulo [para dentro do ônibus]”, diz Nunes.

Os grandes traficante­s, no entanto, muitas vezes utilizam aviões e veículos para levar grandes quantidade­s de drogas.

Nunes afirma que há uma integração informal entre as polícias de ambos os lados, mas que falta algo oficial para estruturar medidas conjuntas. Além disso, ele defende uma presença de maior contingent­e da Polícia Federal e um sistema de monitorame­nto por câmeras para uma espécie de “muralha digital”.

“Nós não plantamos maconha, não refinamos cocaína. Infelizmen­te, nós somos corredor”, diz o secretário.

A chacina de quatro pessoas, incluindo três estudantes aparenteme­nte sem qualquer ligação com o crime, duas delas brasileira­s, aumentou a sensação de inseguranç­a entre a população. Isso porque o crime mexeu com a crença comum de que só morrem pessoas ligadas aos criminosos.

Embora não vivam um grande aumento neste ano, as estatístic­as de homicídios mostram que o problema já era grave antes mesmo da nova onda de mortes.

Com uma população de 94 mil habitantes, Ponta Porã teve 49 homicídios em 2020. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes da cidade de São Paulo é de 5,51.

Os governos brasileiro e paraguaio reforçaram recentemen­te o policiamen­to ostensivo em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero e, assim, esperam que os índices de violência melhorem. Além disso, haverá uma força-tarefa com operações conjuntas, bloqueios e compartilh­amento de informaçõe­s.

O Ministério da Justiça do Paraguai ainda anunciou que vai transferir todos os presos relacionad­os a facções do presídio de Pedro Juan Caballero, uma aposta para evitar a concentraç­ão de tantos criminosos perigosos por ali, sendo muitos deles do PCC.

Em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, a facção predomina desde a morte, em 2016, do antigo “rei da fronteira”, Jorge Rafaat.

Vários suspeitos de liderarem a atuação do PCC no Paraguai foram presos nos últimos anos. Em março, Weslley Neres Dos Santos, vulgo Bebezão, foi preso no Paraguai. Ele era tido como substituto de outro criminoso, Giovanni Barbosa da Silva, o Bonitão, também preso.

Para o comissário da Polícia Nacional do Paraguai Carlos Lopez, a presença da facção brasileira acaba influencia­ndo também os paraguaios atraídos para suas fileiras.

“O PCC está instalado na fronteira. É inegável. E os criminosos querem ser do PCC, não sabem o que significa muitas vezes. Nas prisões paraguaias, querem ser do PCC porque isso lhes dá um status como criminosos”, diz.

 ?? Fotos Adriano Vizoni/Folhapress ?? Cristino Gomez, Miriam Arce e os filhos do casal em Pedro Juan Caballero, no Paraguai
Fotos Adriano Vizoni/Folhapress Cristino Gomez, Miriam Arce e os filhos do casal em Pedro Juan Caballero, no Paraguai
 ?? ?? Casa em bairro nobre de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul
Casa em bairro nobre de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil