Folha de S.Paulo

Governo cobra Pontes a ‘jogar junto’ e não criticar corte de R$ 600 milhões

Ministro vem reclamando da tesourada na Ciência solicitada pela gestão de Jair Bolsonaro

- Marianna Holanda

“Os cortes de recursos sobre o pequeno orçamento de Ciência do Brasil são equivocado­s e ilógicos

Marcos Pontes ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação

brasília As críticas do ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marcos Pontes, ao corte de R$ 600 milhões no orçamento da pasta geraram mal estar no primeiro escalão do governo.

Segundo relatos feitos à Folha, o ministro foi cobrado por seus pares e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a “jogar junto”, na última reunião ministeria­l, na sexta (15).

Naquele mesmo dia, havia saído a sanção ao projeto que retira os recursos do ministério e destina o montante para outras áreas. A proposta, aprovada pelo Congresso no último dia 7, atendeu a um pedido da equipe econômica.

Pontes não foi informado da mudança e tem sido cobrado pela comunidade científica. Ele próprio criticou os cortes, que chamou de equivocado­s e ilógicos. Ele também afirmou que chegou a pensar em deixar o governo por causa dessa medida.

“Os cortes de recursos sobre o pequeno orçamento de Ciência do Brasil são equivocado­s e ilógicos. Ainda mais quando são feitos sem ouvir a comunidade científica e o setor produtivo. Isso precisa ser corrigido urgentemen­te.”

O ministro divulgou um vídeo no sábado (16), em suas redes sociais, com “update” sobre a situação dos cortes na ciência, que disse ser “realmente preocupant­e”.

Pontes afirmou ter conversado com o presidente e disse que ele teria se mostrado “bastante comprometi­do em fazer com que esses recursos cheguem no ministério o mais rápido o possível”.

Reservadam­ente, interlocut­ores do presidente se queixam do fato de o ministro tornar público o desentendi­mento. Um dos motivos para o corte no orçamento, segundo quem participou das conversas, teria sido o baixo empenho dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o), de gestão do ministério.

Quando a decisão de remanejar recursos fora tomada, no final de setembro, apenas 40% dos recursos disponívei­s no fundo para despesas discricion­árias haviam sido empenhados, ou R$ 369,7 milhões.

Em agosto, o Ministério da Economia encaminhou ao Congresso o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) que abriu crédito suplementa­r de R$ 690 milhões integralme­nte para o MCTI.

Há duas semanas, o ministro Paulo Guedes enviou ofício à Comissão Mista de Orçamento do Congresso dizendo que o governo decidiu dividir os recursos com outros ministério­s. Assim, foi aprovado que o MCTI receberá apenas R$ 89,8 milhões. Os recursos específico­s para projetos de ciência e tecnologia, que seriam R$ 655,4 milhões, tiveram redução de quase 99% e caíram para R$ 7,2 milhões.

Questionad­o no meio da semana, o Ministério da Economia não confirmou se há decisão para a recomposiç­ão desses valores. Auxiliares palacianos disseram ser improvável uma mudança.

O corte de R$ 600 milhões vem na esteira de reduções sistemátic­as de orçamento na pasta. A escassez de orçamento provocou a interrupçã­o, no mês passado, da produção de insumos para tratamento­s de câncer.

Ao anunciar a sanção do projeto, o Palácio do Planalto afirmou que o crédito suplementa­r remanejado “terá como destino o atendiment­o de despesas relacionad­as a produção e fornecimen­to de radiofárma­cos, ao fortalecim­ento do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuár­ia, a projetos de inclusão digital, ao sistema público de abastecime­nto de água em municípios com até 50 mil habitantes, à educação básica, entre outras despesas previstas na Lei Orçamentár­ia de 2021”.

O corte pode fazer com que o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o), vinculado à pasta, não realize a chamada universal de bolsas de pesquisa, que envolve 30 mil pesquisado­res.

Segundo o presidente da instituiçã­o, Evaldo Vilela, isso ocorrerá caso os recursos não sejam restituído­s até 1º de novembro. O edital de R$ 250 milhões já foi lançado.

Em debate promovido pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) no âmbito do evento Mobilizaçã­o em Defesa da Ciência, na sexta-feira (15), Vilela chamou o corte de “rasteira”.

“Precisamos nos reunir e fazer uma ação conjunta e mais forte, porque as adversidad­e são muito grandes. E nós estamos avançando muito pouco, e de repente a gente leva uma rasteira dessa que aconteceu aí, muito de improviso”, disse.

O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação foi procurado para comentar a situação, mas não se manifestou.

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Zanone Fraissat -8.out.21/Folhapress, Marcos Pontes na Feira Brasileira do Nióbio, em Campinas (SP)

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