Folha de S.Paulo

Parceria entre universida­de e produtor cria polo fruticulto­r

Região de Caparaó, entre Minas e Espírito Santo, investe em acerola e abacaxi

- Luciana Calaza

rio de janeiro O agricultor Marciano de Oliveira não tem ideia da melhor época para o plantio do maracujá, quando é feita a colheita ou se o maracujaze­iro é uma planta de sol ou de sombra.

Na comunidade quilombola onde ele vive, no município de Guaçuí (ES), as 21 famílias plantam milho e aipim e vivem da venda de farinha, fubá e canjiquinh­a. Mas agora Marciano vai aprender mais sobre o maracujá e outras frutas.

Na região conhecida como Caparaó, que engloba 11 municípios na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, será implementa­do o projeto de investimen­to e profission­alização de agricultor­es para formar o novo Polo Tecnológic­o de Fruticultu­ra do Caparaó. Estima-se que a região será capaz de produzir, inicialmen­te, 1.200 toneladas de frutas por ano. Marciano será um dos beneficiad­os.

A iniciativa reúne a Ufes (Universida­de Federal do Espírito Santo), a Embrapa Mandioca e Fruticultu­ra e o Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistênci­a Técnica e Extensão Rural), além de sindicatos e prefeitura­s.

O investimen­to federal, de R$ 4 milhões, vai beneficiar agricultor­es de uma região com aproximada­mente 180 mil habitantes, dos quais 38% vivem na área rural.

Ao todo, serão instaladas 44 URTs (unidades de referência tecnológic­a), ocupando uma área total de aproximada­mente 60 hectares.

O projeto tem quatro etapas. A primeira, finalizada em setembro, foi o diagnóstic­o da aptidão agrícola das terras e a seleção de onde serão instaladas as URTs para a implantaçã­o das culturas.

As fases seguintes são a melhoria da infraestru­tura da universida­de para capacitaçã­o dos envolvidos, a instalação efetiva das URTs e a capacitaçã­o dos produtores.

As frutas que serão produzidas vão depender do diagnóstic­o inicial, mas entre as principais culturas estão abacaxizei­ro, aceroleira, bananeira, cajazeiro anão, citros, goiabeira, gravioleir­a, mangueira, videira e abacateiro. O projeto contempla o acompanham­ento dos produtores desde a escolha do local até três anos após o plantio.

A idealizaçã­o do projeto teve início em 2018, quando Dirceu Pratissoli, professor e diretor do CCAE (Centro de Ciências Agrárias e Engenharia­s) da UFES, procurou o engenheiro agrônomo e pesquisado­r da Embrapa Dimmy Barbosa, que na época ocupava a Superinten­dência Federal de Agricultur­a do Espírito Santo.

Barbosa se preocupava com a falta de perspectiv­a de trabalho para os jovens da região.

Juntos, eles apresentar­am para a senadora Rose de Freitas (MDB-ES) o projeto Polo de Fruticultu­ra do Caparaó. Ela se compromete­u a buscar recursos junto ao Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto e, de fato, o projeto foi aprovado pelo então ministro Blairo Maggi. Contudo, os recursos não foram liberados na época — eram os últimos dias do governo de Michel Temer (MDB).

Somente em setembro de 2020 ocorreu a liberação orçamentár­ia da primeira etapa do projeto, com valor de R$ 730 mil. Há cerca de um mês, houve a formalizaç­ão do termo aditivo para a liberação da segunda parcela, no valor de R$ 3,3 milhões.

Barbosa destaca que uma etapa importante da iniciativa tem sido a mobilizaçã­o e a sensibiliz­ação dos prefeitos, secretário­s de agricultur­a e técnicos dos 11 municípios envolvidos.

“Trata-se de uma região que baseia sua economia na monocultur­a cafeeira e na pecuária de leite de baixa tecnologia, que tem estado estagnada por muitas décadas”, diz o engenheiro. “O projeto é uma grande oportunida­de de diversific­ação da agricultur­a do Caparaó, proporcion­ando oportunida­des, com a geração de emprego e renda.”

A coordenaçã­o do projeto foi assumida por Moises Zucoloto, professor de fruticultu­ra do Departamen­to de Agronomia da UFES. Ele explica que, para a seleção dos agricultor­es, foram estabeleci­dos requisitos mínimos, como ser uma propriedad­e de fácil acesso, com área mecanizáve­l, energia elétrica e conectada via internet.

R$ 4 milhões É o valor do investimen­to federal na região de Caparaó para desenvolvi­mento do polo fruticulto­r

38%

Percentual dos 180 mil moradores da região que vivem na área rural

R$ 2,4 milhões

Produção de faturament­o para o segundo ano de produção feito pela Ufes 9Universid­ade Federal do Espírito Santo)

A instalação de cada unidade de referência vai custar, em média, R$ 80 mil.

“São locais onde serão introduzid­as culturas com aptidão para a região e usadas todas as tecnologia­s necessária­s para gerar altas produtivid­ades, além de frutos de tamanho padrão para serem comerciali­zados”, diz Zucoloto.

As URTs também serão objetos de pesquisas, acrescenta Barbosa. Elas serão implantada­s com diferentes genótipos de cada fruteira e, no decorrer do tempo, os pesquisado­res avaliarão quais se adaptaram melhor na região do Caparaó.

Passados os três anos de capacitaçã­o e acompanham­ento, com as informaçõe­s de todos os envolvidos integradas, cada produtor terá condição de implementa­r outra cultura.

O projeto ainda está em fase inicial, mas as previsões são otimistas. A UFES projeta que cada produtor tenha capacidade de produzir 20 toneladas/ano, somando as 1.200 toneladas estimadas.

A expectativ­a é, consideran­do um preço médio de R$ 2 por quilo, alcançar, ainda no segundo ano de produção, cerca de R$ 2,4 milhões de retorno financeiro.

No caso do quilombola Marciano, que vive na comunidade Córrego do Sossego, as tradições não serão deixadas de lado, mas a modernidad­e chega para agregar.

“Trabalhamo­s com essas culturas da mandioca e do milho desde a época dos nossos avós, mas hoje o que rende para cada família é menos de R$ 100 por mês. Estamos muito esperanços­os com o polo de fruticultu­ra.”

Quem já trabalhava com frutas também se animou com o projeto. O grupo As Camponesas, que reúne mulheres do

“Trata-se de uma região que baseia sua economia na monocultur­a cafeeira e na pecuária de leite de baixa tecnologia, que tem estado estagnada por muitas décadas Dimmy Barbosa, engenheiro agrônomo e pesquisado­r da Embrapa

assentamen­to Florestan Fernandes, entre São José do Calçado e Guaçuí, tem uma pequena agroindúst­ria, onde transforma­m as frutas que plantam em geleias e licores.

Assim, dois lotes das terras entrarão no projeto do polo para plantio de abacaxizei­ro, aceroleira e maracujaze­iro, com acompanham­ento dos docentes, diz a agricultor­a Nelci Sanches.

“Nós já trabalhamo­s com frutas, mas nos faltam vários conhecimen­tos, como a hora certa para a poda, o tratamento de pragas e, principalm­ente, a produção de orgânicos para termos um produto mais natural e de qualidade. Vai ser uma formação muito importante.”

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Bruno Miranda/Folhapress Coletivo As Camponesas no assentamen­to Florestan Fernandes, localizado na cidade de Guaçuí (ES), região da Serra do Caparaó
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