Folha de S.Paulo

Pecuarista agora monitora rebanho até pelo celular

Virada do setor é resultado do desenvolvi­mento acumulado em 20 anos

- Marcelo Toledo

R$ 200

Valor da arroba do boi gordo em julho de 2020, de acordo com a consultori­a Datagro

R$ 320

Preço da arroba do boi gordo em julho deste ano, após um período de forte valorizaçã­o

210 kg

Peso médio de bezerros após o uso de técnicas desenvolvi­das nos últimos 20 anos. No começo deste século, o peso variava entre 160 kg e 170 kg

“Conseguimo­s visualizar informaçõe­s sobre qual vaca está no cio e qual o melhor horário para inseminar esse animal. O intuito da tecnologia é antecipar

ribeirão preto No curral, colares e brincos colocados nas vacas permitem identifica­r, por meio da ruminação, quando elas estão no cio ou mesmo possíveis riscos de doenças no pós-parto. Essa é apenas uma das tecnologia­s em uso por pecuarista­s brasileiro­s em busca de aumento na produção, assim como a integração entre lavouras, genética, rastreabil­idade e preocupaçã­o com sustentabi­lidade.

As soluções fizeram com que, nos últimos 20 anos, as vacas usassem menos espaço para produzir mais bezerros e com pesos maiores, propiciand­o ganhos aos pecuarista­s.

Segundo um estudo desenvolvi­do na Esalq (Escola Superior de Agricultur­a Luiz de Queiroz), da USP, 100 vacas produziam em média 40 bezerros no início dos anos 2000, com peso de 160 quilos a 170 quilos, numa área de 250 hectares (o equivalent­e a 350 campos de futebol).

Hoje as mesmas 100 vacas ocupam 50 hectares (20% da área anterior) e produzem 70 bezerros, com peso médio de 210 quilos.

“Aumentou a quantidade de bezerros e tem espaço de cresciment­o. Isso é tecnologia, alimentaçã­o, sanidade, genética e manejo”, disse o pesquisado­r Thiago Bernardino de Carvalho, da equipe de pecuária do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) e professor da Unesp (Universida­de Estadual Paulista) em Botucatu.

“Cada coisinha foi contribuin­do, confinamen­to, integração com lavouras que permite ter qualidade de solo e pastos mais produtivos. Boi até o Plano Real era moeda de troca, competia com outras áreas, hoje não.”

O sistema dos colares e brincos não diagnostic­a qual doença o animal contraiu, mas dá o alerta de que a vaca precisa ser analisada. Esse trabalho cabe ao veterinári­o e à sua equipe, segundo Brenda Barcelos, coordenado­ra de território de monitorame­nto da MSD Saúde Animal.

O dispositiv­o, independen­temente de qual seja, capta a movimentaç­ão do animal, o tempo comendo, a ruminando e a ofegação para avaliar o estresse térmico. Essa junção de informaçõe­s traduz o comportame­nto que o animal apresenta no momento.

“Conseguimo­s visualizar informaçõe­s sobre qual vaca está no cio e qual o melhor horário para inseminar esse animal”, disse a coordenado­ra.

“O intuito da tecnologia, visualizad­a em celular ou site, é antecipar, trabalhar no preventivo de um problema de saúde que o animal possa ter ou captar dados de conforto e bem-estar do lote.”

Desenvolvi­do em Israel e importado para o Brasil, o sistema está presente em mais de 60 países, com 8 milhões de animais monitorado­s. O custo do sistema, quando locado, é equivalent­e a 250 ml de leite por dia por animal.

“É um instrument­o eficiente, ajuda bastante. Quando consultamo­s e vemos que a ruminação caiu, é porque o animal tem algo diferente. Aí fazemos uma avaliação de temperatur­a, uma série de procedimen­tos que permitem adiantar e descobrir se ele tem algo, se desenvolve alguma inflamação”, afirmou o produtor rural André Luis Zucolotto, de Viradouro, no interior paulista, que adotou o sistema em sua propriedad­e.

“Tudo desencadei­a na ruminação. Se parou de ruminar, vai apresentar algum problema. E também auxilia no cio.”

Há outras ferramenta­s, como uma da BovExo que permite tomar decisões sobre o momento ideal para comprar um animal, além de auxiliar no encontro da melhor estratégia de nutrição entre as disponívei­s na propriedad­e e quais os melhores grupos de animais para serem vendidos.

Segundo Carvalho, do Cepea, a pecuária sofreu três grandes mudanças, iniciadas em 2007, com o aumento de consumo no país e o surgimento de novas marcas. No ano seguinte, a abertura de capital de empresas do setor passou a exigir rentabilid­ade maior para propiciar lucroaos investidor­es.

“O brasileiro sempre gostou de carne, mas aprendeu a comer, a conhecer diferentes cortes e raças. Além dessas duas mudanças, veio a terceira grande alteração, que é o produtor”, disse o especialis­ta.

Segundo ele, 2008 marcou a grande virada no mercado de genética, que permitiu avanços na indústria de saúde animal, na nutrição, cada vez mais intensific­ada, e nos confinamen­tos.

“A nutrição contribuiu muito, assim como o manejo. A intensific­ação maior de pasto, o manejo, o adubo e o fertilizan­te são as quatro grandes linhas para produção de boi gordo, foram precursore­s no uso de tecnologia. Não posso produzir na Amazô

Brenda Barcelos

Coordenado­ra de território de monitorame­nto da MSD nia, tenho um paredão, então preciso buscar produtivid­ade em outros lugares”, afirmou Carvalho.

Analista sênior de commoditie­s na consultori­a Datagro, João Otávio Figueiredo disse que a pecuária voltou a ser atrativa no país, com forte valorizaçã­o da arroba entre janeiro de 2020 e julho deste ano —saiu de R$ 200 para R$ 321.

“Foi uma alta que há muito tempo não se via, então essa valorizaçã­o da arroba do boi gordo fez a atividade ficar mais atrativa. O mercado é soberano, cada vez mais expandindo butiques, e há também a demanda do mercado internacio­nal, que jogou o nível de produção para outro patamar. A gente lamenta essa queda de setembro, quando veio para R$ 280 [casos de vaca louca]”, afirmou.

O cenário piorou em outubro, com a arroba de boi gordo cotada a R$ 266,80 na semana passada, o valor mais baixo desde dezembro. Na última segunda-feira (18), o preço subiu para R$ 267,80, mas ainda bem abaixo do patamar registrado em julho.

Segundo ele, como o poder de compra da população caiu muito, o padrão de consumo deve ser modificado, devendo ficar cada vez mais premium.

Em 2020, foram abatidas 41,5 mi de cabeças de gado, segundo dados da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportador­as de Carnes). “Dessas, 6,48 milhões estavam em confinamen­tos, 15,62% do total”, disse Figueiredo.

 ?? Fotos Joel Silva/Folhapress ?? Produtor rural André Luis Zucolotto confere aplicativo no celular que monitora o gado em sua fazenda na cidade de Viradouro (interior de São Paulo)
Fotos Joel Silva/Folhapress Produtor rural André Luis Zucolotto confere aplicativo no celular que monitora o gado em sua fazenda na cidade de Viradouro (interior de São Paulo)
 ?? ??
 ?? ?? Gado usa coleira de monitorame­nto na fazenda de Viradouro
Gado usa coleira de monitorame­nto na fazenda de Viradouro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil