Folha de S.Paulo

A Câmara se acovardou

- Tabata Amaral Cientista política e astrofísic­a formada em Harvard, é deputada federal e ativista pela educação. Escreve aos sábados

Em momentos de grande crise, as decisões revelam o caráter de quem as toma. A inércia também. Nos últimos tempos, a Câmara se acovardou.

Quando o Brasil contava mais de 3.000 mortes por dia, a discussão sobre a abertura de uma CPI da Covid passou ao largo da câmara baixa, que não conseguiu reunir as assinatura­s necessária­s. A despeito da atuação essencial dos deputados em matérias como o auxílio emergencia­l, não houve maioria na Câmara para fazer frente à política de morte do governo federal. O pedido de impeachmen­t, principal remédio para a crise, também não saiu da gaveta do presidente da casa.

O Senado, mesmo tardiament­e, foi quem assumiu esse protagonis­mo. Assistimos por seis meses a interrogat­órios que nos mostraram que o negacionis­mo não era só uma ideologia de lunáticos, mas também uma ação coordenada e criminosa que permitiu que empresário­s, políticos e agentes públicos lucrassem com o sofrimento da população. Descobrimo­s ainda que centenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas.

A votação, na semana que vem, do relatório do senador Renan Calheiros apresentar­á uma nova chance à Câmara. Temos o dever de dar continuida­de aos trabalhos da CPI.

Como primeiro passo, o Conselho de Ética da Câmara precisa julgar se os deputados federais indiciados —Ricardo Barros, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Osmar Terra e Carlos Jordy— quebraram o decoro parlamenta­r. Não podemos ter na casa do povo quem incitou o crime, provocou intenciona­lmente epidemia, fez advocacia administra­tiva ou formou organizaçã­o criminosa.

A Câmara precisa também fazer avançar as propostas legislativ­as sugeridas no relatório. Um exemplo é o PL 2630/2020, construído pelo Gabinete Compartilh­ado, que divido com o senador Alessandro Vieira e o deputado Felipe Rigoni, que já foi aprovado no Senado e pode agora ser aperfeiçoa­do na Câmara. O PL combate as fake news e cria um ambiente mais transparen­te e responsáve­l na internet. Há outros projetos, como o que tipifica o crime de extermínio e o que garante uma assistênci­a social adequada às 130 mil crianças e adolescent­es órfãos da pandemia. O relatório propõe ainda uma mudança na Lei dos Crimes de Responsabi­lidade, que coloca um prazo para o presidente da Câmara analisar as denúncias.

Da mesma forma que a independên­cia e o comprometi­mento de uma parcela dos senadores nos trouxe até aqui, é chegada a hora de a Câmara dos Deputados, representa­nte da população por definição, ouvir a maioria que reprova a gestão do presidente na pandemia e agir. Não podemos permitir que a CPI termine na votação do relatório ou se restrinja ao Senado.

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