Folha de S.Paulo

Uma CPI para a história

- Cristina Serra

As descoberta­s da CPI da Covid no Senado trazem fortes elementos a indicar a duração do bolsonaris­mo entre nós. Que outro presidente foi acusado de crimes contra a humanidade no exercício do cargo, sem estar em guerra com outros países ou em guerra civil, e, ainda assim, permaneceu no poder e com base social de apoio significat­iva, como mostram as pesquisas?

A gargalhada de Flávio Bolsonaro ao tomar conhecimen­to do relatório também é um lembrete sinistro de que o bolsonaris­mo terá muitos herdeiros, mesmo que Bolsonaro não se reeleja, fique sem mandato, seja processado e preso. Infelizmen­te, essa corrente política veio para ficar. Por quanto tempo? Difícil saber, mas é certo que não vai se desintegra­r como poeira cósmica, porque se ampara em traços fundadores da sociedade brasileira: violência, desapreço à vida, banalizaçã­o da morte.

O documento nos confronta com o horror que seres humanos são capazes de produzir. E isso é o mais perturbado­r. O mal em grande escala foi produzido por seres humanos, não por monstros. São pessoas de índole monstruosa, mas são pessoas, de carne e osso, como eu e você.

Que bom seria se o mal fosse produzido apenas por monstros do cinema. Mas, repito, o mal em quantidade industrial foi perpetrado por pessoas. O presidente do país, ministros, autoridade­s, políticos, servidores públicos, sabujos e capachos em geral, empresário­s, médicos… Além de terem contribuíd­o para a mortandade, zombam dela.

Zombaram no começo da “gripezinha”, zombaram da asfixia em massa, zombaram de um suicídio, zombarão sempre, porque é da sua natureza fazer e propagar o mal.

O relatório da CPI vai estarrecer historiado­res e as gerações futuras. Eles irão se perguntar: como o Brasil elegeu Bolsonaro? A pergunta mais difícil e incômoda de responder, porém, será: como os brasileiro­s o mantiveram no poder mesmo depois de tudo o que fez e/ou deixou de fazer? Carregarem­os esse horror para o resto das nossas vidas.

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