Folha de S.Paulo

Depoentes da CPI da Covid no Senado fizeram mais de 60 declaraçõe­s falsas

Autoridade­s deram informaçõe­s erradas, antes usadas para a definição de políticas públicas

- Carol Macário

agência lupa A desinforma­ção permeou as decisões do poder público na gestão da pandemia no Brasil, mas não se limitou aos bastidores do governo federal. Argumentos falsos ou baseados em dados errados e cientifica­mente não comprovado­s também apareceram nas declaraçõe­s de autoridade­s, ex-ministros e servidores ligados ao Ministério da Saúde na CPI da Covid.

Ao longo de quase seis meses, a Lupa acompanhou alguns dos principais depoimento­s do colegiado e checou as alegações de pessoascha­ve na condução da crise sanitária do novo coronavíru­s.

Nos 17 depoimento­s acompanhad­os pela Lupa (a CPI ouviu mais de 50 pessoas) foram identifica­das pelo menos 62 informaçõe­s falsas ditas para justificar ou explicar ações.

A lista inclui desde os políticos do primeiro escalão do governo até empresário­s e parlamenta­res que direta ou indiretame­nte impactaram no enfrentou à crise no Brasil.

Os quatro ministros que passaram pela Saúde —os exministro­s Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello e o atual, Marcelo Queiroga—, por exemplo, fizeram ao menos 13 declaraçõe­s falsas checadas pela Lupa.

Já os servidores em posições estratégic­as na Saúde citaram dados falsos sobre o uso de cloroquina e hidroxiclo­roquina —medicament­os que sem eficácia contra a Covid-19— e sobre as recomendaç­ões de distanciam­ento social, prática amplamente documentad­a como eficaz para reduzir a transmissã­o do vírus.

Embora Mandetta, à frente da Saúde somente nas primeiras semanas da pandemia, tenha errado sobre datas e se equivocado acerca das primeiras orientaçõe­s da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) sobre testagem em massa, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde entre maio de 2020 e março de 2021, foi quem mais fez afirmações falsas em seu depoimento acerca de temas chave no combate ao ví

rus: o uso de máscaras e o distanciam­ento social.

Nelson Teich foi o ex-ministro com declaraçõe­s mais precisas. Em seu depoimento em 5 de maio, dedicou a maior parte das respostas às dúvidas sobre o uso de cloroquina e hidroxiclo­roquina.

Na ocasião, ele confirmou que o posicionam­ento do presidente Bolsonaro sobre a eficácia e extensão do uso desse medicament­o era amparado na opinião de outros profission­ais e até do Conselho Federal de Medicina. As divergênci­as sobre o tema entre Teich e Bolsonaro levaram à saída do cardiologi­sta do cargo.

Pazuello prestou dois depoimento­s. Em ambos, deu respostas evasivas sobre a compra de vacinas e a falta de oxigênio em Manaus (AM).

A participaç­ão do militar evidenciou que o chefe do

principal órgão responsáve­l pelas políticas públicas para saúde no país não se baseava em informaçõe­s de qualidade.

Ele alegou, por exemplo, que o isolamento social para barrar a transmissã­o do novo coronavíru­s não tinha comprovaçã­o científica, o que não é verdade. Diversos estudos mostraram que a proibição de aglomeraçõ­es reduziu a taxa de contágio em 131 países.

Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde, também prestou dois depoimento­s. No primeiro, exagerou sobre dados do número de pessoas já vacinadas no Brasil até aquela data e errou sobre o Brasil ser um dos países que mais realizaram testes contra a doença.

No segundo depoimento, também se equivocou ao dar o exemplo dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol, falsamente afirmando que foi

registrado apenas um caso de Covid-19 durante a competição —na verdade, ao menos 302 jogadores da série A do Campeonato Brasileiro 2020 foram infectados pela doença.

Além dos ministros, a Lupa acompanhou os depoimento­s de dois servidores do Ministério da Saúde que tiveram atuação chave durante a pandemia: a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”; e o coronel Élcio Franco, exsecretár­io-executivo da pasta e considerad­o o “número 2” na gestão Eduardo Pazuello.

Embora Mayra Pinheiro tenha obtido um habeas corpus que lhe deu o direito de permanecer em silêncio sobre os fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, durante o colapso do sistema de saúde de Manaus, nas questões

que se dispôs a responder ela buscou tirar qualquer responsabi­lidade do Ministério de Saúde pela crise no estado do Norte do país.

No total, a Lupa verificou cinco declaraçõe­s falsas da servidora. As mais graves foram acerca das supostas orientaçõe­s da OMS sobre cloroquina e hidroxiclo­roquina para tratamento da Covid-19 —na verdade, a organizaçã­o nunca fez recomendaç­ão desses medicament­os.

O depoimento de Élcio Franco, atualmente assessor especial da Casa Civil, deixou explícito que havia dentro do Ministério da Saúde uma inclinação para adoção de tratamento precoce contra a Covid.

Ele assegurou que não houve distribuiç­ão de cloroquina ou hidroxiclo­roquina por parte do ministério, o que não é verdade. A checagem da Lupa mostrou que a pasta adquiriu comprimido­s de cloroquina usando recursos da MP 940/2020, que abria crédito extraordin­ário para gastos com o combate à pandemia.

Os documentos são de 29 de junho e 6 de outubro de 2020, portanto, durante a gestão de Élcio Franco como secretário­executivo da Saúde —de 4 de junho de 2020 a março de 2021.

O diplomata Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores entre janeiro de 2019 e março de 2021, foi considerad­o um dos nomes-chave nas negociaçõe­s com a Covax Facility, aliança mundial de vacinas contra a Covid-19.

Em seu depoimento, foram checadas pelo menos seis declaraçõe­s falsas. Entre elas, a de que o governo brasileiro teria manifestad­o intenção de adesão ao consórcio desde junho do ano passado, assim que a iniciativa foi definida.

Essa informação foi desmentida. Na verdade, a Covax Facility começou a ser discutida em abril de 2020 e foi lançada em junho. O governo brasileiro só manifestou interesse no programa em julho, um mês depois da data citada pelo ex-ministro na CPI.

Empresário­s e profission­ais da saúde acusados de participar­em do chamado “gabinete paralelo”, grupo que teria assessorad­o o presidente Jair Bolsonaro nas decisões relacionad­as à gestão da pandemia, também tiveram suas falas checadas pela Lupa: os empresário­s Luciano Hang e Carlos Wizard e a médica Nise Yamaguchi, defensora do tratamento precoce e conselheir­a do chefe do Executivo.

Todos erraram sobre distanciam­ento social, cloroquina e vacinas contra Covid-19.

No decorrer da comissão, o caso da compra das vacinas indianas Covaxin ganhou os holofotes e as declaraçõe­s de parlamenta­res, como as do deputado federal e líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); e do deputado federal Luis Miranda (DEMDF); evidenciar­am imprecisõe­s e indícios de corrupção nas negociaçõe­s de vacinas.

Outros empresário­s, como a diretora técnica da empresa Precisa Medicament­os, Emanuela Medrades; e o policial militar de Minas Gerais e representa­nte da empresa Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominghett­i; e até um líder religioso —o reverendo Amilton Gomes de Paula—, omitiram ou distorcera­m fatos acerca da suspeita de corrupção na compra dos imunizante­s contra a Covid-19.

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Adriano Machado - 20.out.21/Reuters Membros da CPI da Covid conversam após apresentaç­ão do relatório final da comissão parlamenta­r

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