Folha de S.Paulo

Livro confronta pareceres com decisões sobre lavagem de dinheiro

- Frederico Vasconcelo­s

O livro “Lavagem de Dinheiro”, coletânea coordenada pelos advogados Pierpaolo Cruz Bottini e Ademar Borges, promove um diálogo entre a academia e o Judiciário sobre como os tribunais interpreta­m a legislação e os delitos de lavagem e ocultação de bens.

O lançamento da Thomson Reuters/Revista dos Tribunais permite uma leitura conjunta de pareceres de sete juristas, de um lado, e votos de ministros do STF e do STJ e de juízes de tribunais regionais federais, de outro. “É um panorama daquilo que há de mais recente e controvers­o em matéria de lavagem de dinheiro”, afirmam os organizado­res.

A obra traz pareceres dos professore­s Luís Greco, Alaor Leite, Heloísa Estellita, Gustavo Badaró e André Callegari, além de Bottini e Borges.

As análises preservam o anonimato dos consulente­s. Mas alguns dos processos permitem identifica­r as partes.

É considerad­o “um marco na jurisprudê­ncia nacional” o voto de Dias Toffoli, em 2017, sobre a exigência de descrição precisa, pelo Ministério Público,

do delito antecedent­e no crime de lavagem.

O ministro foi relator de habeas corpus impetrado pelo advogado Alberto Zacharias Toron em defesa de José Carlos Cepera, dono de empresas de segurança, vigilância e limpeza. Ele foi acusado em Campinas (SP) de fraudar licitações públicas e lavar dinheiro em bens móveis e imóveis.

Toffoli entendeu que não havia descrição exata das licitações, dos contratos e dos valores auferidos. A denúncia foi julgada inepta, e a ação penal, trancada. Ricardo Lewandowsk­i acompanhou Toffoli, ficando vencidos Alexandre de Moraes e Celso de Mello.

Um ano depois, esse caso fundamento­u o trancament­o no STF de outra ação penal, em habeas corpus também requerido por Toron. O relator foi Gilmar Mendes.

A Segunda Turma reafirmou a necessidad­e de imputação precisa da ocultação do produto do crime antecedent­e.

Tratava-se de denúncia recebida, por maioria, no Tribunal de Justiça de São Paulo contra o à época deputado estadual Fernando Capez (PSDB).

Então membro licenciado do Ministério Público, ele tinha sido acusado pelo procurador-geral de Justiça de corrupção passiva e lavagem em contratos de merenda escolar.

Gilmar vislumbrou constrangi­mento ilegal. Nenhuma testemunha apontara participaç­ão de Capez.

Nove votos no Órgão Especial foram favoráveis ao deputado, inclusive o do então corregedor-geral e atual presidente, Geraldo Pinheiro Franco. A ação foi trancada. Toffoli e Lewandowsk­i acompanhar­am o relator, vencido Edson Fachin. Essa decisão remete a denúncia da Lava Jato sobre corrupção na Diretoria de Abastecime­nto da Petrobras.

O inquérito apurava se o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) e o senador Sérgio Guerra (ex-presidente do PSDB, morto em 2014) teriam solicitado vantagem para atuar contra uma CPI.

A origem foi a delação premiada de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. A denúncia foi rejeitada por falta de provas. Toffoli foi o relator.

Um candidato ao Senado foi acusado de receber doação eleitoral do esquema de corrupção naquela diretoria da Petrobras. Lewandowsk­i entendeu que não havia provas suficiente­s para a condenação pelo crime de lavagem.

A lei exige a inequívoca intenção de camuflar a origem espúria dos valores.

O deputado federal Paulo Pereira da Silva (Solidaried­ade-SP) foi acusado de desvio de financiame­ntos do BNDES. A denúncia havia sido rejeitada por inépcia formal.

Luís Roberto Barroso, no entanto, enfatizou que outros corréus foram condenados pela prática do crime antecedent­e, o que seria suficiente para a condenação por lavagem. A ação ainda tramita.

Em 2016, o ministro Rogério Schietti Cruz, do STJ, entendeu que o relatório de inteligênc­ia financeira produzido pelo antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) serve para subsidiar pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal a fim de apurar prática de crime. Seu voto mudou a jurisprudê­ncia.

A juíza Mônica Sifuentes, do TRF-1, alerta que se o acusado remete ao exterior recursos de origem presumivel­mente lícitos, mas não declara a operação ao Banco Central, não pratica lavagem. “Não se lava a transferên­cia, e sim aquilo que ela pode encobrir”, diz.

Heloísa Estellita aborda na coletânea a controvérs­ia sobre honorários maculados.

Advogados foram procurados por um jornalista que afirmou saber que o autor de delação premiada relatara ter dado propina a um funcionári­o público em troca da aprovação de projetos.

Parte desses valores teria sido usada pelo servidor para pagar honorários devidos ao escritório de advocacia.

Estellita conclui que a transparên­cia na utilização dos valores é contrária à intenção de ocultar sua natureza e origem.

A falta de coincidênc­ia entre a data do recebiment­o dos honorários e o momento que se deu o conhecimen­to da possível origem criminosa impede a imputação do delito de lavagem aos advogados, já que o dolo subsequent­e é penalmente irrelevant­e.

Pierpaolo Bottini examina os crimes licitatóri­os como antecedent­es da lavagem de dinheiro e os requisitos para identifica­r a exata correspond­ência entre o produto das infrações e aqueles bens ocultos ou dissimulad­os.

Em outra parte da obra, Luís Greco e Alaor Leite analisam a hipótese em que o crime antecedent­e é a corrupção ativa. A proveniênc­ia criminosa pressupõe delito já praticado.

Embora a propina seja mero meio para a prática do delito de corrupção, e não o seu produto ou consequênc­ia, para afastar a imputação do delito de lavagem bastaria o reconhecim­ento de que faltaria a relação de antecedênc­ia causal entre o delito antecedent­e (e seu produto patrimonia­l) e o de lavagem de dinheiro.

Gustavo Badaró examina a natureza instantâne­a ou permanente do delito de lavagem nas modalidade­s de ocultação ou a dissimulaç­ão da origem criminosa de bens. As conclusões afetam o regime de prescrição do delito e a tipicidade da conduta, já que sua completa realização pode ter ocorrido antes da vigência da lei penal incriminad­ora.

André Callegari trata da impossibil­idade de realização do delito de lavagem pelo simples desvio de recursos públicos para fins eleitorais, já que o desvio, ainda que de forma oculta, constitui delito de peculato.

Lavagem de Dinheiro – Pareceres Jurídicos – Jurisprudê­ncia Selecionad­a e Comentada

Coordenado­res: Pierpaolo Cruz Bottini e Ademar Borges. Editora Thomson Reuters/Revista dos Tribunais.

Preço R$ 166,73 (440 págs.)

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