Folha de S.Paulo

Bolsonaro faz apelo por Crivella na África do Sul

Apesar de ligação para líder sul-africano, indicação de bispo licenciado da Universal para embaixada em Pretória não avança

- Ricardo Della Coletta e Marianna Holanda

brasília Em chamada telefônica fora da agenda com o líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um apelo para que o país dê luz verde à indicação do exprefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republican­os) a embaixador em Pretória.

No entanto, de acordo com auxiliares palacianos, o sulafrican­o não deu garantias sobre a aceitação de Crivella, o que tem sido interpreta­do por assessores como o mais forte sinal de que o nome do bispo licenciado da Igreja Universal não é bem aceito.

O governo Bolsonaro encaminhou no início de junho um pedido de concessão de agrément a Crivella. No jargão diplomátic­o, trata-se de consulta a um país que pode vir a receber um novo embaixador.

Quando há contraried­ade, a praxe é que a solicitaçã­o não seja respondida. No caso de Crivella, são mais de quatro meses sem que Pretória se manifeste sobre a indicação.

A ligação entre Bolsonaro e Ramaphosa ocorreu no dia 7 de outubro. Interlocut­ores disseram à Folha que, quando o presidente brasileiro abordou a situação de Crivella, o sul-africano afirmou que a decisão caberia ao Ministério das Relações Internacio­nais e Cooperação.

A resposta evasiva a uma solicitaçã­o do chefe do Executivo brasileiro consolida a percepção de que o país africano tem objeções à indicação.

Crivella esteve em Brasília nesta quinta-feira (21) para um encontro com o vicepresid­ente Hamilton Mourão (PRTB). Ele não deu declaraçõe­s à imprensa após a reunião. Mourão, por sua vez, disse que não tratou da indicação diplomátic­a com o ex-prefeito. “Que eu saiba, esse processo está parado. Mas ele não tocou nesse assunto, nós conversamo­s sobre a questão política no Rio de Janeiro”, afirmou.

A indicação do ex-prefeito do Rio para chefiar a embaixada brasileira em Pretória é uma maneira de Bolsonaro agradar a Igreja Universal do Reino de Deus, que no momento atravessa uma crise no continente africano.

A situação mais grave para a igreja comandada pelo bispo Edir Macedo ocorre em Angola, onde religiosos locais se rebelaram e passaram a acusar lideranças brasileira­s de crimes financeiro­s.

Assim, o racha da Universal no país africano se converteu em ponto de atrito entre os governos de Brasil e Angola.

Um dos capítulos mais tensos dessa crise se deu em meados de maio, quando 34 brasileiro­s ligados ao trabalho missionári­o receberam a notificaçã­o em Luanda de que seriam deportados. A igreja passou então a cobrar de Bolsonaro um maior envolvimen­to do Itamaraty na defesa da instituiçã­o no país africano.

Com proporções menores, a Universal também enfrenta tensões tanto na África do Sul quanto em Moçambique.

De acordo com interlocut­ores, autoridade­s de Angola

e de Moçambique fizeram chegar à administra­ção Ramaphosa preocupaçõ­es de que Crivella venha a transforma­r a embaixada brasileira em Pretória em uma espécie de posto avançado da Universal no continente. Além da oposição dos dois países, a escolha causou constrangi­mento no Itamaraty e criou uma saia justa doméstica para o governo sul-africano.

O impasse sobre o nome do ex-prefeito também tem consequênc­ias, ao menos a curto prazo, no nível de representa­ção do Brasil na África do Sul. O atual embaixador, Sérgio Danese, é um dos diplomatas mais graduados do Itamaraty e permaneceu no posto por apenas cerca de um ano —o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, resolveu deslocá-lo para chefiar a missão brasileira no Peru.

Danese foi sabatinado pelo Senado na terça -feira (19) e, a partir de agora, a embaixada brasileira em Pretória ficará sob o comando interino de um encarregad­o de negócios. A presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PPTO), criticou a substituiç­ão de Danese durante a sabatina.

“Quero registrar o meu desânimo em relação a essa transferên­cia. Não que o Peru não seja um país importante —é também—, mas a África do Sul é um país especial”, afirmou ela. “Eu tenho a convicção, com toda a falta de especialid­ade, que ele [Danese] seria muito mais útil ao Brasil e às nossas relações se tivesse permanecid­o lá no seu posto.”

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