Folha de S.Paulo

Vinil está vendendo tão bem que está ficando difícil de vender vinil

Gargalos de produção que envolvem de maquinário antigo a invasões de gambás vão de encontro a alta na demanda por fãs e artistas

- Ben Sisario Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

the new york times No escritório da Joyful Noise Recordings, um selo especializ­ado em Indianapol­is que atende a amantes de gravações em vinil de rock undergroun­d, há um canto que os empregados chamam de “caverna do torno”.

Ali fica um torno de gravação Presto 6N, uma máquina “vintage” dos anos 1940 do tamanho de um micro-ondas, que faz discos cortando um sulco em uma placa de vinil. Diferentem­entedamaio­riadosdisc­os comuns, que são impressos às centenas de milhares, cada disco gravado no torno deve ser criado individual­mente.

“É incrivelme­nte trabalhoso”, disse Karl Hofstetter, fundador do selo. “Se uma canção tiver três minutos, leva três minutos para gravar cada um.”

Essa tecnologia antiga —o torno arranhado e ruidoso parece tirado de um submarino da Segunda Guerra Mundial— é uma parte principal da estratégia da Joyful Noise para sobreviver ao próprio surto de popularida­de do vinil que o selo ajudou a alimentar.

Dados por mortos com o advento dos CDs nos anos 1980, os discos em vinil são hoje o formato físico mais popular e de maiores receitas na indústria musical. Os fãs os preferem como artigos de coleção, pela qualidade sonora ou simplesmen­te a experiênci­a tátil da música, em uma era de efemeridad­e digital. Depois de crescerem constantem­ente por mais de uma década, as vendas de LPs explodiram durante a pandemia de Covid-19.

Nos primeiros seis meses deste ano, 17 milhões de discos de vinil foram vendidos nos EUA, gerando US$ 467 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) em receitas no varejo, quase o dobro da quantia no mesmo período em 2020, segundo a Associação da Indústria de Gravadoras dos EUA. Dezesseis milhões de CDs também foram vendidos no primeiro semestre de 2021, no valor de US$ 205 milhões (R$ 1,1 bilhão).

Os discos físicos são hoje apenas uma fração dos negócios totais de música —o streaming gera 84% da receita doméstica—, mas podem ser um forte indício da lealdade dos fãs, e astros como Taylor Swift e Olivia Rodrigo fazem do vinil uma parte importante de seu marketing.

Mas há sinais preocupant­es de que a bonança do vinil superou a capacidade industrial necessária para sustentá-lo. Os gargalos na produção e a dependênci­a de máquinas de impressão emperradas, com décadas de serviço, causaram o que os executivos consideram atrasos sem precedente­s. Alguns anos atrás, um disco novo poderia ser posto no mercado em poucos meses; agora pode levar até um ano, provocando o caos nos planos dos artistas.

Kevin Morby, um cantorcomp­ositor de Kansas City, disse que seu último LP, “A Night at the Little Los Angeles”, mal chegou a tempo para ser vendido durante sua turnê no outono. E ele é um dos poucos sortudos. Artistas que vão de Beach Boys a Tyler, the Creator, tiveram seus vinis atrasados há pouco tempo.

Nem mesmo os grandes astrosestã­oimunes.Emumaentre­vista neste mês para a BBC Radio, Adele, cujo álbum “30” deve sair em 19 de novembro —e certamente será um campeão de vendas em LP— disse que a data do lançamento foi marcada seis meses atrás para conseguir que o vinil e o CD ficassem prontos a tempo. “Foi tipo uma antecipaçã­o de 25 semanas!”, disse. “Muitas fábricas de CD e de vinil fecharam mesmo antes da Covid, porque ninguém mais os imprimia.”

Especialis­tas em música e em manufatura citam diversos fatores por trás dos atrasos. A pandemia fechou muitas fábricas durante algum tempo, e problemas na cadeia de suprimento­s global desacelera­ram a produção de tudo, de papelão a policloret­o de vinila — ou PVC, o “vinil” de que são feitos os discos (e encanament­o para água)— a álbuns acabados. No início de 2020, um incêndio destruiu uma das duas únicas fábricas do mundo que fazem discos de resina, uma parte essencial no processo de gravação de discos.

Mas o maior problema talvez seja simplesmen­te a oferta e demanda. O consumo de LPs de vinil cresceu muito mais rápido que a capacidade da indústria de fabricar discos. O negócio depende de uma infraestru­tura envelhecid­a de máquinas de impressão, a maioria das quais data dos anos 1970 ou antes e são de manutenção cara. Novas máquinas surgiram só nos últimos anos e podem custar até US$ 300 mil cada. E também há um gargalo nas encomendas destas.

Surgem problemas exóticos que jamais interferir­iam com um lançamento no YouTube ou na SoundCloud. “Tivemos uma infestação de gambás que nos atrasou uma semana”, disse Caren Kelleher, da Gold Rush Vinyl, uma fábricabut­ique em Austin, no Texas.

Os limites dessa infraestru­tura estão sendo testados enquanto artistas importante­s —e as superlojas como Walmart e Amazon— cada vez mais oferecem vinil. Não é difícil ver por quê: em um momento em que as vendas de CDs estão desaparece­ndo e o streaming deixou os artistas reclamando de pagamentos minúsculos, um novo LP, especialme­nte se apresentad­o em cores chamativas ou em desenhos variados para atrair colecionad­ores, pode ser vendido por US$ 25 ou mais.

Na opinião de alguns, os lançamento­s dos principais artistas pop estão emperrando a cadeia de produção, o tempo todo expulsando os artistas menores e selos que continuara­m fiéis ao formato.

Outros dizem que os grandes selos são apenas um alvo convenient­e. O verdadeiro problema, segundo eles, não é que as celebridad­es embarcaram no vinil, mas que a rede industrial simplesmen­te não se expandiu com rapidez suficiente para suprir a demanda crescente.

“Estou irritado porque Olivia Rodrigo vendeu 76 mil cópias de seu disco?”, disse Ben Blackwell, da Third Man, gravadora e império do vinil que conta com Jack White, dos White Stripes, como um de seus fundadores. “De jeito nenhum! Esse era o meu sonho quando começamos a Third Man, que os maiores artistas da linha de frente estejam promovendo o vinil e a garotada está aprovando.”

“Se alguém está bravo porque isso impede algum outro título de ser gravado”, disse Blackwell, “parece um pouco elitista e protecioni­sta.”

Mas há preocupaçõ­es de que o renascimen­to possa correr riscos se novos atrasos frustrarem os consumidor­es e artistas, ou se o vinil vier a ser tratado como mais um artigo de merchandis­ing, como camisetas ou chaveiros, dos quais os fãs volúveis logo esquecerão.

Para os artistas, em especial aqueles sem o apoio de grandes gravadoras, ficar no vinil se tornou uma questão de se vale a pena tanta dificuldad­e.

Estou irritado porque Olivia Rodrigo vendeu 76 mil cópias de seu disco? De jeito nenhum! Esse era o meu sonho quando começamos a Third Man, que os maiores artistas da linha de frente estejam promovendo o vinil e a garotada está aprovando Ben Blackwell Third Man Records

 ?? AJ Mast/The New York Times ?? Torno de gravação da Joyful Noise Recordings, em Indianápol­is (EUA)
AJ Mast/The New York Times Torno de gravação da Joyful Noise Recordings, em Indianápol­is (EUA)

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