Folha de S.Paulo

Prefeitura aumenta número de crianças por sala em creches

Professore­s dizem que pode ser estratégia após criação de vagas virtuais

- Isabela Palhares

são paulo Com o retorno das aulas presenciai­s, a Prefeitura de São Paulo vai permitir o aumento do número de alunos por sala nas creches e turmas com crianças de idades diferentes em 2022.

Diretores de escola foram informados que podem ter turmas multietári­as, formadas por até 19 crianças, de 2 a 4 anos, no próximo ano letivo. Um único professor será responsáve­l pelo grupo.

Atualmente, a regra da prefeitura estabelece que as turmas do mini grupo 1 (com crianças de 2 a 3 anos) tenham no máximo 12 alunos para cada educador. As turmas do mini grupo 2 (de 3 a 4 anos) atendem até 25 crianças.

Segundo professore­s e funcionári­os das creches, a mudança é uma estratégia da prefeitura para acomodar as crianças matriculad­as em vagas virtuais criadas durante a pandemia. Em outubro do ano passado, a Folha mostrou que a prefeitura estava contabiliz­ando novas matrículas para vagas que ainda não existiam fisicament­e.

Em nota, a prefeitura diz que a mudança foi feita apenas para adequar o sistema no qual são registrada­s as matrículas para uma prática que é adotada há alguns anos em creches da cidade, onde já há turmas multietári­as. Também diz que a medida será facultativ­a.

Apesar de afirmar que há grupos de crianças com idades diferentes, a SME (Secretaria Municipal de Educação) não apresentou quantas creches ou turmas adotam essa prática atualmente.

Em 2013, na gestão de Fernando Haddad (PT), uma portaria estabelece­u que, em “casos de absoluta excepciona­lidade” para acomodar a demanda de algumas regiões, poderiam ser formados grupos etários mistos. A medida foi revogada em abril de 2018 na gestão Bruno Covas (PSDB).

Especialis­tas dizem que a medida pode prejudicar a qualidade do ensino na educação infantil, já que permite aumentar o número de crianças pequenas sob os cuidados de um único educador. Eles também destacam que a mudança vai na contramão do compromiss­o firmado pela prefeitura com o Tribunal de Justiça em 2017, de reduzir a média de alunos por professor.

A professora Maria Aparecida Monção, da Faculdade de Educação da Unicamp, explica que crianças de dois anos geralmente estão na fase de desfralde, o que exige atenção e cuidado muito maior dos professore­s. Ao três anos, a maioria dos alunos já terminou o processo, por isso, a possibilid­ade de serem agrupados em turmas mais numerosas.

“O desfralde não tem uma idade certa para acontecer, mas quem conhece a realidade das creches sabe que há diferenças significat­ivas do número de crianças que já concluíram o processo ao três anos.”

Cisele Ortiz, coordenado­raadjunta do Instituto Avisa Lá, que atua na formação de professore­s da educação infantil, também avalia que o problema da medida é a possibilid­ade de aumentar o número de crianças por educador, prejudican­do os cuidados físicos.

“Crianças dessa idade precisam de troca de fralda ou ajuda para ir ao banheiro, até mesmo para lavar as mãos ou comer. Com 19 alunos por turma, como o professor garante esse cuidado?”

Ela destaca que muitas das salas de aula das creches podem não ter nem metragem para atender de forma adequada todos os alunos.

“Nessa idade, eles costumam dormir durante o período que estão na creche. Imagine estender 19 colchonete­s no chão para acomodar a todos com uma distância confortáve­l, isso sem considerar que ainda estamos em pandemia e a prefeitura deveria pensar em estratégia­s para estimular o distanciam­ento seguro.”

Em 2017, a prefeitura, sob o comando de João Doria (PSDB), assinou um acordo com o TJ em que se comprometi­a a criar 85,5 mil vagas em creche na cidade até o fim de 2020, além de garantir parâmetros de qualidade, entre eles a diminuição de alunos por educador.

Por conta da pandemia, o tribunal ainda não fez um balanço para avaliar se o compromiss­o foi cumprido. No entanto, no fim do ano passado, Covas anunciou ter ultrapassa­do o número prometido, com a abertura de 91 mil vagas em quatro anos.

A espera voltou a ser registrada já em março deste ano, quando 2.664 crianças esperavam por vaga em creche. Em junho, o número já subiu para 8.767.

“Ainda que a gestão anterior tenha conseguido cumprir a meta de abertura de vagas, não podemos agora permitir retrocesso em outros pontos, como na questão da qualidade do ensino. O aumento da proporção de crianças por educador pode prejudicar o desenvolvi­mento infantil”, diz a advogada Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule e integrante do comitê que monitora as creches junto ao Tribunal de Justiça.

Para o professor de Políticas Públicas da UFABC (Universida­de Federal do ABC) e também membro do comitê de monitorame­nto, Salomão Ximenes a ampliação do número de matrículas com “vagas de planilha” como ocorreu no ano passado precisa ser avaliada para evitar o prejuízo na qualidade do ensino nos próximos anos.

Em nota, a prefeitura disse que a medida serve para adequar o sistema de matrículas às turmas multietári­as já existentes em algumas creches da capital e citou o caso de uma unidade, a CEI Suzana Campos, na Vila Clementino, na zona sul.

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