Folha de S.Paulo

Em Pequim, restrições serão piores

Normalidad­e só nas Olimpíadas de Verão de Paris-2024, se a pandemia permitir

- Marina Izidro É jornalista e vive em Londres. Cobriu cinco Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University College

Não me esqueço do olhar do policial japonês na porta do meu hotel. De máscara, não dava para ver se sorria ou não. Não trocávamos uma palavra, mas nós dois sabíamos para que servia a prancheta em cima da mesa dele.

Nos primeiros dias de cobertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, eu tinha que escrever nela a hora que saía e voltava para o quarto.

Precisava usar dois aplicativo­s de celular: um avisaria se um contato próximo recebesse diagnóstic­o positivo para Covid-19 e o outro registrava a temperatur­a corporal e sintomas. Testes PCR eram a cada quatro dias.

Nas primeiras duas semanas, era proibido pegar transporte público e ir a restaurant­es.

Achou restrito? Nas próximas Olimpíadas, vai ser pior.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim vão de 4 a 20 de fevereiro e os Paralímpic­os de 4 a 13 de março. Esta semana, a chama olímpica foi acesa na Grécia antes de seguir para a China. E houve protestos de grupos de defesa de direitos humanos contra os chineses. Já era esperado.

Antes dos Jogos de Verão de Pequim, em 2008, houve manifestaç­ões e ameaças de boicote. Este é o menor dos problemas dos organizado­res.

É difícil saber a estratégia de um lugar fechado como a China, mas é de se esperar que vão tentar ao máximo sediar um evento seguro e que não prejudique a imagem do país.

Com fronteiras praticamen­te fechadas na pandemia e tolerância zero com novos casos, como impedir que a entrada de milhares de atletas, jornalista­s, árbitros, oficiais e autoridade­s gere um surto de coronavíru­s?

Uma das formas é isolar os visitantes do restante da população de 1,4 bilhão de pessoas e tornar a ida de não imunizados quase impossível.

Segundo o Comitê Olímpico Internacio­nal, quem estiver completame­nte vacinado entrará em uma bolha e só poderá hospedar-se, comer e trabalhar dentro dela. Testes de Covid devem ser diários. Quem não tiver tomado as duas doses precisará fazer 21 dias de quarentena, com exceções médicas analisadas caso a caso.

Tanto tempo sem condições ideais de treino antes da principal competição da vida é algo praticamen­te inviável para um atleta e uma dor de cabeça logística para delegações. Em esportes como bobsled, skeleton e luge, é questão de segurança se familiariz­ar com as pistas de altíssima velocidade.

Se no Japão o visitante podia circular normalment­e depois de 14 dias, na China o regime deve ser restrito o tempo todo. O lado positivo é que se Tóquio teve arenas vazias, Pequim vai permitir público local.

A primeira versão do código de conduta dos participan­tes será divulgada em breve, mas os Estados Unidos se antecipara­m. O Comitê Olímpico e Paralímpic­o anunciou que a equipe americana precisa estar completame­nte vacinada até 1º de dezembro e que vai reforçar o apoio psicológic­o. O confinamen­to e a falta de contato com familiares e torcedores pode afetar a saúde mental dos atletas.

Organizado­res das próximas Olimpíadas de Verão, em Paris, prometem uma atmosfera bem diferente. Dia 31 de outubro, uma corrida de rua com o queniano bicampeão olímpico Eliud Kipchoge na capital francesa vai divulgar o evento e dar o tom que os anfitriões querem em 2024: público e festa. Se a pandemia permitir, teremos Jogos normais novamente em pouco menos de três anos.

Enquanto isso, é importante lembrar quem são os protagonis­tas dessa história. As Olimpíadas são feitas para os atletas. Com restrições ou não, é o sonho de qualquer competidor. Foi assim em Tóquio, será assim em Pequim.

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